Ame odiá-los ou odeie amá-los, os vilões são algumas das personagens mais relevantes em uma história. Talvez até mesmo os mais relevantes. Afinal, um vilão pode até mesmo ser o protagonista de uma narrativa. Mas qual é a melhor forma de caracterizá-los? Um vilão deve ser carismático ou detestável para que o autor possa publicar livro aclamado?
Antes de mais nada, é preciso entender o papel de um vilão na narrativa. Tipicamente, as personagens de uma história são divididas em três categorias principais: protagonistas, antagonistas e coadjuvantes.
Os protagonistas são os agentes da história, a personagem principal da narrativa. O antagonista é aquele personagem que opõe o protagonista, com objetivos incompatíveis. E os coadjuvantes são as “personagens de apoio”, que estão ali para auxiliar a movimentação da narrativa, mas não são suas principais agentes.
Sob essa perspectiva, é como se o protagonista e o antagonista fossem diametralmente opostos. Aquilo que um deseja, o outro é contra. Os objetivos de um atrapalham o do outro. O protagonista está lá para impedir que os planos do antagonista se concretizem ou vice-versa.
Agora, a forma como essa “oposição” é executada pode variar muito de uma história para a outra. E é aí que chegamos no ponto: um protagonista nem sempre é o herói e o antagonista nem sempre é um vilão.
Entenda, ser um herói significa ser uma personagem boa, o “mocinho” da história. O vilão, por sua vez, é aquele que é perverso. E nem sempre o protagonista, a personagem principal, o agente da narrativa, é bonzinho.
Se o protagonista for uma péssima pessoa, tipicamente aquele que o opõe, o antagonista, será uma pessoa boa por sua vez. É o caso de histórias protagonizadas por serial killers, cujos antagonistas são quase sempre os detetives que querem capturá-los.
Cada vez mais, no entanto, as linhas entre o “bem” e o “mal” são borradas nas histórias. É possível ler um livro em que tanto o protagonista quanto o antagonista são pessoas horríveis, por exemplo.
O que separa o protagonista do antagonista não é um medidor de bondade e moralidade, mas a simples oposição dos seus objetivos. Por exemplo, se duas personagens estão concorrendo por um trono, elas têm objetivos opostos, mas não necessariamente uma é melhor ou mais merecedora do que a outra.
Existem também os livros em que nem o protagonista, nem o antagonista são pessoas exatamente ruins. Podem ser apenas seres humanos normais, vivendo uma vida relativamente pacata, mas com disputas cotidianas. Em uma história de amor, o antagonista pode ser qualquer pessoa que está interessada no par romântico do protagonista.
O vilão de uma história pode ser desde uma pessoa que comete pequenas trapaças até crimes hediondos. Tudo depende do universo onde ele habita, a narrativa em que se encontra.
Da mesma forma, uma única pode ter diversos vilões, cada um representando um tipo de maldade diferente. Se uma história se passa num colégio, por exemplo, é fácil imaginar um vilão que faz bullying com o herói. Se houver um romance, o vilão pode ser o rival amoroso. Se houver um crime envolvido, o vilão pode ser o criminoso. E tudo isso pode coabitar na mesma história.
Imagine. A protagonista é uma aluna do ensino médio cujos pais foram brutalmente assassinados. Ela deseja descobrir quem cometeu esse crime e se vingar. O principal antagonista e vilão dessa história seria, então, o assassino. Mas a protagonista ainda tem uma vida para além dessa tragédia pessoal. Ela tem uma vida social no colégio, onde sofre bullying na mão de um garoto perverso e vive desencontros amorosos com seu crush, que é cobiçado por uma menina que faz intrigas. É um enredo plausível e conta com três vilões.
Um ponto interessante a se pensar é que, embora o vilão seja, por definição, aquele que é perverso e pratica atos indignos, a perspectiva do protagonista diz muito sobre a sua caracterização. Às vezes, o vilão não é de fato uma pessoa objetivamente horrível, mas o protagonista o enxerga dessa forma e, por isso, o leitor é levado a vê-lo assim também.
E é justamente nessas questões subjetivas, onde a perspectiva de um influencia na avaliação moral do outro, que se encontram oportunidades para criar vilões fantásticos.
No artigo Aprenda a escrever vilões com os Vingadores do nosso blog sobre autopublicação, mencionamos Erik Killmonger de Pantera Negra (2018) como um ótimo exemplo de antagonista carismático. O ponto central da caracterização de Killmonger que o tornou tão amado pelo público é que ele não estava totalmente errado. E até mesmo o protagonista percebeu isso.
A linha que separa Erik Killmonger do herói é, acima de tudo, os meios que utiliza para chegar ao fim desejado. Seus métodos são violentos e ferem até mesmo inocentes. Contudo, as dores que Killmonger sofreu para se tornar quem se tornou e sua visão crítica sobre os problemas do mundo são reconhecidos pelo protagonista, T’Challa. O herói se torna uma pessoa melhor após esse encontro de ideias, ainda que o seu posicionamento e o do vilão fossem irreconciliáveis na prática.
Quando falamos de vilões odiosos, é fácil pensar em uma enorme lista de exemplos. Alguns dos primeiros que vêm à cabeça são Joffrey Baratheon e Ramsay Bolton, ambos das Crônicas de Gelo e Fogo ou Game of Thrones, ambos torturadores sádicos. Esses vilões providenciaram tantas cenas gráficas de tortura, tanto contra personagens queridinhas do público quanto personagens criticadas, mas que sofreram tanto que chegou a dar pena.
Vilões como esses dois mexem com emoções viscerais. É desagradável ver essas cenas. É natural sentirmos empatia pelas vítimas e repulsa contra os torturadores. É odioso, cansativo. O público se sente pessoalmente antagonizado. Tudo o que mais deseja é ver essas personagens morrerem uma morte horrível.
Mas nem todo vilão detestável precisa ir aos extremos da tortura. Às vezes, o vilão que mais odiamos representa uma figura presente nas nossas próprias vidas. Um belo exemplo disso é Dolores Umbridge, que foi apresentada ao público em Harry Potter e a Ordem da Fênix.
Ela é uma professora. Ela substitui o adorado Alvo Dumbledore como diretora da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E ela é desprezível. Umbridge já começa a desagradar as personagens (e o público) com sua aparência e aulas entediantes. Ela se recusa a oferecer conhecimento prático e útil, preferindo dar aulas que não contribuem em nada para o crescimento dos alunos. Todos já tivemos algum professor assim.
Contudo, com Umbridge o buraco é mais embaixo. Ela representa a repressão e a censura. Suas aulas não têm conteúdo relevante pois ela censura a educação. E ela castiga os alunos que se opõe a isso, fazendo com que escrevam repetidamente uma frase alegando estarem errados… com uma pena que fere suas mãos. Lavagem cerebral e tortura, não é mesmo?
Dolores Umbridge representa figuras muito reais em nossas vidas, que reconhecemos com facilidade ao ver sua caracterização. Ela é a professora chata, ela é a diretora que castiga, ela é a hipocrisia da sociedade, ela é a imagem da repressão governamental, da ditadura e da corrupção. E ela não precisa decepar membros ou matar pessoas para ser tudo isso.
Mesmo que um vilão seja assassino, torturador e, talvez, até mesmo sádico, ainda é possível que ele conquiste o carinho do público. O segredo é desenvolver uma história de origem que explique porque a personagem se tornou quem é, mesmo que não justifique seus atos, e caracterizá-lo com uma personalidade adorável. Um vilão charmoso, por assim dizer.
Acredite, as pessoas vão se interessar por um vilões inteligentes, vilões que saibam contar boas piadas, vilões bonitos, vilões com uma estética muito legal.
Nessas horas, é o distanciamento da realidade que permite que muitas vezes perdoemos todas as atrocidades que um vilão comete. “Tudo bem ele matar milhões de pessoas, desde que ele não me lembre pessoalmente de uma pessoa que me machucou na vida real.” É exatamente por isso que tantas pessoas adoram Darth Vader e odeiam Dolores Umbridge, ainda que ambos representem um poder ditatorial.
No fim das contas, o que define o melhor tipo de vilão não é nenhuma verdade absoluta, mas sim as exigências da sua narrativa e as preferências do leitor. Histórias diferentes pedem vilões diferentes. Cabe ao autor saber preencher esses espaços com os vilões mais adequados para a narrativa fluir.
Às vezes, o pecado é exagerar na mão e incluir antagonistas que atrapalham mais a vida do protagonista do que é necessário, fazendo com que o enredo fique estagnado em vez de seguir em frente. Às vezes, falta incluir aquele vilão carismático que dá a dose de drama que sua história precisa.
Nem todos os leitores se sentirão confortáveis lendo histórias com vilões horríveis. Isso é normal. Da mesma forma, tem leitores que acham sem graça quando a maldade do vilão tem justificativa e, no fim, ele consegue se redimir. Algumas pessoas preferem que vilões sempre acabem mal.
Tudo depende. Cabe a você tomar as melhores decisões para o seu livro! E uma das maiores vantagens de publicar ebook é justamente a liberdade criativa para que sua narrativa tome o rumo que quiser, não é mesmo?
E aí, autor? Qual o seu tipo favorito de vilão? Compartilhe conosco.