A telepatia é um dos poderes sobrenaturais mais explorados na ficção. Desde a ficção científica até as comédias românticas, essa habilidade paranormal abre caminho para enredos em quase todos os gêneros literários.
O diferencial entre a habilidade de ler mentes de um gênero para o outro tende a ser a forma que isso é abordado e como se encaixa no enredo.
Em histórias de ação, suspense e/ou espionagem, por exemplo, a telepatia pode ser um fator tático, que facilita ou dificulta a vida do herói. Quando bem explorada, ela pode criar um intenso jogo mental, com a própria sanidade do herói em jogo.
Em histórias com um tom mais lúdico, por sua vez, a telepatia pode criar várias situações vergonhosas, ao mesmo tempo em que oferece uma vantagem especial que o protagonista nunca teve na vida.
A telepatia, sem dúvidas, é um poder esclarecedor. Ela permite que a personagem descubra informações que antes eram inacessíveis. Talvez aprenda até mais até do que gostaria, afinal, a verdade dói.
Uma pessoa que nunca se destacou em nada e sempre se considerou inferior aos outros pode descobrir que têm mais qualidades do que imagina e que a grama do vizinho não é assim tão verde. Alternativamente, uma pessoa que se acha o tal pode descobrir que é detestado por todos ao seu redor e passar por uma transformação radical.
Como você pode ver, a habilidade telepática é um recurso extremamente versátil na ficção. O que interessa é como você pretende usá-lo para publicar livro.
Telepatia na ficção – estabelecendo as regras do jogo
Todo universo precisa de uma coerência interna para que pareça plausível para o leitor. Isso vale também na ficção sobrenatural, talvez até com mais urgência para que o seu enredo não pareça puro caos.
Para desenvolver uma personagem telepata, você deve pensar em quais circunstâncias esse poder é ativado – e quais são os seus limites. Uma personagem capaz de ler as mentes de todas as pessoas… ou mais ainda, de todos os seres vivos do planeta, provavelmente acabaria se tornando uma pessoa louca.
Poder demais também é um problema. Tanto para a sua personagem, quanto para a sua história. Enquanto a sua personagem perde a cabeça no meio de vozes incaláveis, o seu enredo se perde no meio de tanta informação inútil. É preciso cancelar o ruído às vezes.
Por esses e outros motivos, é bom considerar algumas condições para o poder funcionar:
- Telepatia limitada pela distância física – sua personagem só consegue ler mentes de pessoas que estejam próximas dela. Ex: dentro de um raio de 100 metros; dentro de um mesmo cômodo; etc.
- Telepatia por contato visual – sua personagem lê as mentes das pessoas com quem está mantendo contato visual naquele momento. Alternativamente, a personagem também pode desenvolver de forma definitiva a habilidade de ler a mente de qualquer pessoa com quem teve contato visual mesmo uma vez.
- Telepatia por contato físico – sua personagem só lê as mentes das pessoas em quem está encostando-se naquele momento. Alternativamente, a personagem também pode desenvolver de forma definitiva a habilidade de ler a mente de qualquer pessoa que encostou apenas uma vez, sem a necessidade de manter o contato físico.
- Telepatia com indivíduos específicos – sua personagem tem a habilidade de ler a mente de uma pessoa (ou um grupo de pessoas) específica(os). Ex.: pessoas com laços consanguíneos; pessoas que fazem parte de uma mesma equipe; pessoa que é sua alma gêmea predestinada; etc.
Essas são apenas algumas possibilidades, que você pode explorar da forma que quiser e, é claro, também pode pensar em outras formas de determinar o vínculo telepático. Um exemplo fora do comum seria: a habilidade de ler as mentes de qualquer pessoa com quem você já fez sexo.
Pensar nas origens da telepatia também é um elemento interessante, embora nem toda história se aprofunde nesse aspecto. Em X-Men, contamos com várias personagens com poderes telepáticos desenvolvidos por uma mutação da humanidade. Em outros enredos, esses poderes podem vir de experimentos científicos, acidentes, encantamentos ou até mesmo através de eventos cósmicos.
Na comédia romântica Cherry Magic!, um mangá adaptado para minissérie live-action em 2020, corre a lenda urbana que se você completar 30 anos ainda virgem, você se tornará um mago. No seu aniversário de 30 anos, o protagonista repentinamente desenvolve a habilidade de ler a mente de qualquer pessoa que o esteja encostando (mesmo por cima de tecidos).
Com essa nova habilidade, o protagonista tímido e introvertido, que tende a passar despercebido, descobre que o homem mais bonito e popular do seu escritório na verdade está apaixonado por ele!
Passando por uma série de momentos constrangedores, nos quais o poder parecia mais uma maldição, aos poucos ele começa a vivenciar os impactos positivos: ele percebe que existem pessoas que o apreciam de verdade, que mesmo a pessoa mais “perfeita” também tem inseguranças e que, com suas habilidades, é possível ajudar os outros.
Para que esse exemplo é útil a você, autor que quer publicar ebook? Bem, Cherry Magic! bate três requisitos:
- O poder tem importância para o enredo e desenvolvimento de personagens;
- O poder funciona sob condições específicas que não se alteram ao longo da história;
- O poder tem um motivo para existir.
Por mais boba que seja essa premissa, ela se encaixa perfeitamente no gênero, que é a comédia romântica, e funciona com perfeita coerência dentro desse universo ficcional. São essas as metas que você deve almejar em sua história.
Formando vínculos telepáticos entre personagens
Outro ponto a se considerar ao escrever personagens com telepatia é se essa conexão mental é uma via de mão dupla. Em outras palavras, é só essa personagem que pode ler a mente dos outros ou outras personagens também podem ler sua mente?
Em muitas histórias, a personagem com habilidades psíquicas tem a capacidade de transmitir seus pensamentos para os outros, geralmente sob as mesmas condições que a sua telepatia normalmente funciona (ex.: precisar estar próximo, fazer contato visual ou qualquer outra condição estabelecida) ou sob condições ainda mais rígidas.
Seguir essa rota não é obrigatório, no entanto. Ler mentes e transmitir pensamentos são duas habilidades distintas e possuir um poder não significa que o outro venha junto. Em geral, quando sua personagem tem ambas as habilidades, isso pode significar que:
- Ela é muito poderosa;
- Ela estabeleceu um vínculo telepático recíproco;
- Na verdade, é a outra personagem que pode ler mentes também.
A primeira opção significa que os poderes da sua personagem se estendem para além da telepatia simples. Um poder “dois em um”, digamos assim, é algo notável e poderoso.
A segunda opção é muito explorada em histórias em que a telepatia tem uma função na formação de uma dupla ou equipe. Em vez de uma habilidade de ler a mente de qualquer pessoa indiscriminadamente, o que se estabelece é uma conexão mental entre duas ou mais personagens.
Ex.: Na série Crepúsculo, uma matilha de lobisomens é conectada mentalmente, de modo que todos ouvem os pensamentos uns dos outros o tempo inteiro. Essa conexão tem importância tática, mas também se mostra inconveniente pela anulação da praticidade e pela presença de pensamentos literalmente invasivos. É como se um intruso interrompesse seu monólogo interno e transformasse em uma conversa, quer você queira ou não papear.
Ex.2: No filme O Círculo de Fogo, a terra é invadida por criaturas monstruosas e a única defesa da humanidade são robôs gigantes chamados Jaegers. Para pilotá-los, são necessárias duas pessoas, que estabelecem uma conexão neural enquanto estão na cabine de controle. Durante esse momento, as suas memórias, pensamentos e sentimentos são compartilhados. Uma boa dupla deve ser compatível e emocionalmente estável.
O terceiro exemplo não se trata de um verdadeiro vínculo telepático, nem mesmo da transmissão de pensamentos por parte do protagonista (embora a personagem possa interpretar dessa forma a princípio). O que ocorre é que existe outra personagem telepata, permitindo que ambas as personagens conversem através de pensamentos.
Controlando a telepatia
A telepatia pode ser uma faca de dois gumes. Ela oferece vantagens preciosas, mas pode ser enlouquecedora. Por esse motivo, é importante pensar em como sua personagem lida com essa telepatia e se é possível controlar e/ou suprimir essa habilidade de alguma forma.
Existem personagens que apenas aprendem a conviver com a telepatia de modo natural, tal qual nós aprendemos a lidar com pequenos ruídos que nos cercam no dia-a-dia. Outras personagens realmente desenvolvem um controle maior, podendo escolher não ler os pensamentos alheios quando preferir.
Esse controle, em si, também é uma habilidade. Diferentemente da telepatia, que tende a ser desenvolvida involuntariamente, o controle sobre as habilidades psíquicas costuma vir de um esforço consciente, que se desenvolve aos poucos. Esse controle também pode ser adquirido por remédios, dependendo da sua origem na história.
Uma personagem que pode controlar a sua telepatia, ou ao menos administrá-la melhor, têm enormes vantagens, pois sofrerá menos com os impactos psicológicos desse poder. Como um vilão, pode se tornar ainda mais perigoso.
Para tentar conter a telepatia, uma personagem também pode acabar se limitando demais. Por exemplo, se trancando em casa e evitando chegar perto de qualquer outra pessoa (caso seu poder seja ativado por proximidade ou contato físico/visual), ou até mesmo usando métodos para permanecer inconsciente.
Numa história em que a telepatia seja um transtorno na vida da personagem, a procura por uma “cura” pode ser um tema constante. Por outro lado, caso o enredo envolva algum tipo de luta entre forças opostas, os antagonistas podem estar à procura de uma forma de identificar, restringir ou eliminar as personagens telepatas.
Inclusive, o controle da telepatia também pode vir da parte oposta: aquela cujos pensamentos são lidos por outrem. Seja porque ela também tem habilidades psíquicas e pode escolher quando transmitir seus pensamentos à vontade, ou porque ela desenvolveu uma técnica especial para bloquear sua mente, impedindo que outros a leiam.
O poder de proteger sua mente, como propiciado pelo capacete de Magneto em X-Men, representa também uma enorme vantagem estratégica.
E aí, autor? O que achou das nossas dicas de autopublicação de hoje? Se quiser mais artigos como esse, comente com qual superpoder você gostaria de explorar na ficção!