Round 6: o que escritores podem aprender com o novo fenômeno da Netflix?

De tempos em tempos, surge uma série que vai para a boca do povo. De repente, parece impossível navegar nas redes sociais sem ver um milhão de referências que você não pesca e, quem sabe, até spoilers. Só há uma escapatória: viver debaixo de uma pedra. Ou se render e assistir logo.

O que isso tem a ver com você, escritor, e com autopublicação? Bom, para começo de conversa, podemos tentar entender qual é o caminho das pedras que leva uma obra de ficção a se tornar um fenômeno mundial. Quem sabe você encontra a peça final que precisava para publicar livro que estava na gaveta.

A bola da vez é a série Round 6, conhecida no resto do mundo como Ojing-eo Geim, Squid Game, enfim, variações que significam nada mais, nada menos do que “jogo da lula”. E a série é sobre isso mesmo, um jogo, daqueles bem infantis ainda por cima… só que quem perder morre.

É sério.

As inspirações que levaram até Round 6

O conceito da série não é nenhuma novidade. Para o público ocidental, algumas das primeiras obras que vêm à mente ao assistir Round 6 são Jogos Mortais e Jogos Vorazes.

Mas, por trás de toda essa noção de uma história de ficção na qual as personagens são transportadas para um lugar remoto e submetidas a jogos de vida ou morte, existem raízes profundamente asiáticas.

Pode-se dizer que tanto Round 6 quanto Jogos Vorazes pertencem ao gênero de nicho “battle royale”, nomeado em homenagem ao livro japonês de Koushun Takami que começou essa febre em 1999.

O pioneiro, Battle Royale se passa em um universo distópico (baseado em um movimento muito real de imperialismo japonês que ocorreu durante a segunda guerra mundial) no qual estudantes são obrigados a ir para uma ilha deserta e matar uns aos outros até sobrar somente um vencedor.

Desde então, Battle Royale foi adaptado para filme, mangá, anime, série, além de inspirar diversas outras obras de ficção… Round 6 incluso.

A autora de Jogos Vorazes, Suzanne Collins, alegou só ter ouvido falar de Battle Royale após seus livros já terem sido publicados. Contudo, isso não foi suficiente para convencer o público de que uma obra não é cópia da outra.

A resposta de Takami, por sua vez, foi bastante amigável. Ele agradeceu aos fãs por defenderem sua obra, mas também afirmou que todo livro tem algo a oferecer, e se os leitores enxergarem valor em um livro ou no outro, é tudo o que um autor pode pedir.

O criador de Round 6, Hwang Dong-hyuk, bebeu livremente dessa fonte. Entusiasta de quadrinhos japoneses, ele cita Battle Royale e Liar Game como fortes inspirações para sua história, cujo roteiro foi originalmente escrito e recusado pelas produtoras por volta de 2008 (como o mundo dá voltas não é mesmo?).

Por que Round 6 é especial, então?

Há quem diga que se você já viu um “battle royale”, você já viu todos. E, de fato, a premissa do gênero tende a prender a história num cenário bastante específico do qual não se pode escapar.

Mas, como já disse o grande pai do gênero, cada história tem algo só seu para oferecer. E no caso de Round 6, a jogada de mestre de Hwang Dong-Hyuk foi se distanciar das suas referências em um ponto crucial. Ou, em outras palavras, ele trouxe um ingrediente genuinamente coreano para essa receita tradicional.

O ingrediente secreto de Hwang Dong-Hyuk foi a simplicidade. Em vez de apostar em jogos complexos, que o deixavam confuso mesmo enquanto entusiasta do gênero, ele buscou inspiração na sua própria infância.

Não, Round 6 não é extremamente inovador, não é revolucionário. Round 6 é ficção de nicho. E Hwang Dong-Hyuk aproximou esse nicho de espectadores comuns do mundo todo quando optou por fazer as personagens competirem em brincadeiras de criança, com as regras mais simples possíveis.

Existem muitos elementos nostálgicos para o público coreano que não são reconhecidos pelos espectadores de outros países. Nem todas as brincadeiras são iguais aqui e ali. Não ouvimos as mesmas musiquinhas. E a boneca que aparece no primeiro episódio só estava presente nos livros didáticos sul-coreanos (sim!).

Contudo, há de se existir algo universal em torno da infância. De um jeito ou de outro, inventamos brincadeiras de pega-pega, brincadeiras com formas, com cordas, com bolinhas. E é fácil de se reconhecer, de se conectar, de se entender.

Para além das brincadeiras, todo o jogo é organizado por regras simples. Os concorrentes estão ali para competir por um prêmio em dinheiro. A cada concorrente eliminado, o prêmio acumula. Antes de participar, cada concorrente assina um contrato com três cláusulas:

  1. O concorrente não pode parar de jogar.
  2. O concorrente que se recusar a jogar será eliminado.
  3. Se a maioria dos concorrentes concordarem em parar de jogar, o jogo será encerrado.

Todo o ritmo da série é marcado por uma repetição de símbolos, imagens, músicas. Os cenários desse jogo distópico variam entre o monótono e o psicodélico, todos se vestem com uniformes iguais e sem identidade própria, a rotina é marcada por músicas que introduzem cada atividade.

Somos envolvidos por um mundo viciante, de violência gráfica e lógica simples, com passos rítmicos que nos levam de um ponto a outro da história de forma previsível, mas envolvente. Levamos um susto aqui para saber o que esperar ali. E depois que tudo acaba, a série ainda nos acompanha.

Em sua simplicidade, Round 6 apresenta um mundo vasto e cheio de perguntas a ainda serem respondidas. O espectador sabe tanto quanto os protagonistas no jogo. Ou seja, não muita coisa. Ficamos com o coração na boca e querendo entender mais.

Quem são essas pessoas mascaradas? Quem organizou esse jogo? Quem assiste todas essas gravações? Como tudo isso é encoberto? Como é possível se colocar tantas vidas em um jogo? E muito mais…

O que torna Round 6 mais cativante é, talvez, a forma que a série nos aproxima das personagens. Hwang Dong-Hyuk não conseguiu tornar seu roteiro em um filme em 2008, mas é possível que a história não tivesse o mesmo apelo há dez anos atrás.

Observamos em Round 6 personagens que vivem no nosso mundo, aqui e agora. São pessoas vivendo em crise, sem dinheiro, sem saúde, sem oportunidades, sem qualidade de vida.

A história começa em uma Coreia do Sul muito normal. Prédios comuns, pessoas comuns. É um cenário como qualquer outro. São personagens com problemas humanos. E são esses problemas que as levam para o jogo.

Temos um imigrante operário que perdeu dois dedos em um acidente na fábrica onde trabalhava, sem receber qualquer tipo de compensação e com mais de seis meses de atraso no salário.

Temos um ex-operário que perdeu seu emprego quando a fábrica onde trabalhava faliu, caindo em uma rede de apostas e dívidas com agiotas que o custou seu relacionamento com sua esposa e filha, além de ser sustentado por uma mãe diabética que não consegue arcar com o próprio tratamento.

Temos um homem de negócios que foi o orgulho e a esperança de todo o seu bairro por ser o melhor aluno em uma universidade consagrada, mas que caiu em dívidas e não teve coragem de revelar seu fracasso para o mundo.

E também temos um idoso com doença terminal, uma jovem que sofreu abuso familiar, pessoas que não têm para onde ir.

São essas as personagens que compõem a história. Gente como a gente, com origens comuns, como as nossas. A distopia de Round 6 se passa no mundo em que conhecemos.

Somente após aceitarem participar do jogo as personagens são transportadas para uma ilha remota, com um cenário que une o monótono e o surreal, onde são submetidos a condições ainda mais extremas… mas não o bastante para decidirem voltar ao mundo que conheciam antes.

Nos perguntamos “o que eu faria se estivesse em Round 6?”. Tememos a morte, o sangue e a culpa. Mas o ponto de partida é o mesmo para todos. E é por isso mesmo que as questões que a série provoca mexem tanto com a gente.

E você? O que aprendeu com Round 6?

1 comentário


  1. O que mais me chamou a atenção nesta série, foi logo no primeiro jogo, quando é explicado a regra do jogo dizendo que os perdedores serão “eliminados” e ninguém interpreta este termo como sendo “mortos”.

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