Por que nos conectamos com histórias trágicas?

Por algum motivo, a humanidade busca narrativas trágicas desde que o mundo é mundo. Desde o teatro grego, com seus heróis cheios de falhas, até os filmes hollywoodianos que ganham prêmio atrás de prêmio na contemporaneidade, a tragédia nunca saiu da boca do povo. Ela tem público cativo.

Pense o que quiser sobre histórias tristes, é inegável que elas têm um enorme impacto na maioria das pessoas. A tendência é que aquilo que é horrível vire notícia e, por vezes, história. Contamos também com nossa imaginação para publicar livro com personagens que vivem todo o tipo de horror possível, nos mais diversos gêneros da ficção. Essas histórias vendem.

Mas por quê? Se algo é triste, ruim, doloroso, por que gostaríamos de entrar em contato com isso? O normal não seria manter total distância da tristeza? Dar um chega pra lá?

Bem, na prática não é o que acontece. Pelo menos não com a maioria das pessoas, já que, como falamos, é inegável que a tragédia faz sucesso. Tanto que existem pesquisas científicas com o único propósito de entender isso: por que gostamos de histórias trágicas?

Se voltarmos lá para a Grécia Antiga, encontraremos a teoria de Aristóteles acerca do impacto da tragédia no público. Trata-se da “catarse”, a “purificação” que ocorre por meio de uma forte descarga emocional. Ao assistirmos a queda do herói dramático, sofremos junto a ele a descarga emocional que, por sua vez, purifica nossa alma. A calma vem depois da tempestade.

O conceito trazido por Aristóteles se estendeu até a psicanálise e também pode ser explicado pelos processos hormonais que o corpo humano passa nesses momentos de emoção forte, que inclusive podem existir fora da ficção. Por exemplo, ao praticar uma atividade radical como andar sobre brasas.

Para os pensadores da contemporaneidade, uma forma de explicar a busca pela tragédia na ficção é a comparação que estabelecemos com a nossa vida pessoal. Em outras palavras, quando conhecemos uma personagem com uma história de vida extremamente sofrida, é natural que isso mude um pouco a nossa perspectiva. Isso pode desencadear um sentimento de gratidão pelos nossos privilégios, pelas dores que não vivemos em primeira mão.

Nem todo mundo se sente dessa forma, no entanto. Para começo de conversa, nem sempre estamos em uma posição privilegiada o bastante para poder pensar “nossa, ainda bem que minha vida não é assim”. Além disso, se essa história for baseada em fatos reais e contemporâneos, pode ser triste se lembrar de que o mundo é assim.

Chegamos, então, a uma outra possibilidade: as histórias trágicas podem nos fazer sentir compreendidos e menos solitários em nossa dor. A vida não é perfeita e, às vezes, parece um tapa na cara ver final feliz atrás de final feliz na ficção.

Tragédias podem acontecer mesmo com pessoas boas. O final feliz não deve sempre cair em cima do vilão, como se toda tragédia fosse punição karmica. Nós, que somos protagonistas das nossas próprias vidas, às vezes vivemos injustiças.

Passar por um momento difícil pode causar no indivíduo uma forte sensação de isolamento, como se ninguém o compreendesse. Vivenciar uma troca de experiências, mesmo que do outro lado esteja uma personagem ficcional, pode causar uma sensação de acolhimento. Pode nos lembrar que é válido não estar sempre bem. E pode nos permitir reescrever as narrativas das nossas vidas.

Se a ficção que consumimos sempre tiver finais felizes, é como se ela enviasse uma mensagem para nós dizendo que esse é o normal, que é isso que devemos almejar, que o “bem” sempre vence e o “mal” será punido. Sabemos que na vida real, não é bem assim. Mesmo uma pessoa boa pode viver experiências negativas. E, além do mais, não é nada simples delimitar o “bem” e o “mal”.

Por outro lado, histórias de ficção que abordam a tragédia podem trazer uma mensagem diferente. Por exemplo, que é possível superar uma situação difícil. Que é normal conviver com situações difíceis. Que isso não te torna uma pessoa ruim.

Para além disso, o que sentimos quando consumimos histórias trágicas nem sempre é sobre a comparação com si próprio, seja pelas semelhanças ou pelas diferenças. Pode ser simplesmente sobre a prática da empatia.

Quando assistimos filmes trágicos, nosso cérebro libera oxitocina, o hormônio responsável pela empatia. Isso significa que somos capazes de nos conectar com personagens ficcionais e, indo mais longe, é possível que essa atividade nos torne mais capazes de nos conectar com as pessoas ao nosso redor também.

Pesquisas indicam que cerca de 85% das mulheres e 73% dos homens se sentem melhor após chorar, como a sensação de catarse descrita por Aristóteles. De certa forma, é como se o nosso próprio corpo encontrasse uma forma de alívio após ser exposto a emoções negativas.

Se assistirmos um filme triste enquanto acompanhados, grandes as chances também de vivenciar uma conexão com essas pessoas que estão ali naquele momento. Ao ser exposto ao mesmo estímulo que outra pessoa, é como se seus cérebros entrassem em sintonia, criando uma sensação de comunidade que, por sua vez, pode contribuir para a sensação agradável que sentimos após ver histórias trágicas (fonte: Instituto de Ciências Weizmann).

Embora a literatura promova, em geral, experiências um pouco mais solitárias, ainda é possível a criação de uma comunidade por meio da leitura e da escrita. A empatia ainda está ali. E, é claro, a comparação também. A literatura também provoca o pensamento, nos faz pensar sobre nossas próprias vidas.

Para autores, o processo de criar personagens trágicas ao publicar ebook pode ser de enorme imersão. Em toda a liberdade da autopublicação, podemos viver vida atrás de vida, conhecer experiências que nunca pareceram possíveis antes. Talvez o objetivo seja ir além da nossa realidade. Talvez o objetivo seja mostrar a nossa realidade para o outro.

Por mais que se pesquise e se teorize, quando se trata da subjetividade humana, nem tudo pode ser definido de forma objetiva e finita. Ainda há muito o que se descobrir.

E para você, autor? O que é que conecta você à tragédia na ficção?

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