Personificação: quando objetos inanimados tornam-se personagens carismáticos

O que podemos aprender com a tão amada série de filmes Toy Story? Para as crianças que cresceram acompanhadas pelas presenças carismáticas de Woody e Buzz nas telas das TVs e dos cinemas, foi que é preciso ter carinho e cuidado com os seus brinquedos. Que você pode ser tão importante para eles quanto eles são para você.

Essa é a magia da personificação (ou prosopopeia). Aquilo que antes era percebido apenas como um objeto inanimado, sem personalidade ou sentimentos, ganha vida própria. Com essa vida, surgem incontáveis complexos.

No primeiro filme, Buzz Lightyear entra em crise existencial ao descobrir que não é um patrulheiro espacial, mas sim um brinquedo. Com essa descoberta, todo o propósito da sua existência muda. A princípio, nada mais fazia sentido – uma perspectiva um tanto niilista. Eventualmente, contudo, Buzz aprende a se aceitar como brinquedo, desfrutando das amizades que construiu e das alegrias que pode proporcionar a quem brinca com ele.

Para nós, escritores, o que pode ser interessante analisar aqui é o poder dessa narrativa. Woody e Buzz não são humanos, mas é justamente por isso que podemos nos conectar com ele em um nível tão intenso, a ponto de crianças acreditarem que seus brinquedos vão começar a se mexer quando elas não estiverem olhando.

Quando colocamos em prática a personificação na narrativa, atribuímos características humanas a objetos inanimados (ou quem sabe seres vivos não-humanos). Essas personagens ganham vida, livre-arbítrio, personalidade, sentimentos, identidade. Elas falam, pensam, agem, sentem. Elas são capazes de questionar as coisas.

O que torna a personificação divertida é a possibilidade de explorar a existência por um ponto de vista totalmente diferente do nosso, mas que sinta as coisas de forma quase igual. Se essa personagem personificada fosse exatamente igual a uma pessoa, sem tirar nem por, não teria muito motivo para ela ser um objeto em primeiro lugar. Por outro lado, se não tivesse nada de humano, seria mais difícil de nos identificarmos com ela.

Todas as crises que Woody e Buzz atravessam em Toy Story têm a ver com o fato de que eles são brinquedos. Contudo, são sentimentos humanos que guiam esses atravessamentos. Woody sente ciúmes quando Buzz se torna o novo brinquedo favorito. Buzz se sente confuso e enganado quando descobre que a identidade que acreditava ter não era real.

Como humanos, não vivenciamos essa mesma experiência de brinquedos. No filme, eles são retratados como criaturas cujo maior propósito e felicidade é alegrar seus donos. Eles têm um senso de pertencimento a essa pessoa e sentem uma alegria imensa durante a brincadeira. Eles gostam de ser notados e cuidados, não abandonados em algum canto, pegando poeira.

Esses momentos, tão diferentes da nossa realidade, tem um potencial alegórico, no entanto. Eles se conectam com emoções reais: o medo do abandono, a felicidade do cuidado, a vontade de entender seu propósito na vida, entender quem você é.

E isso não é possível apenas quando falamos de personagens-brinquedo. Ao publicar livro, podemos realizar a personificação com praticamente qualquer coisa. Na literatura, o impossível se torna possível, e com a autopublicação não há qualquer limite ou censura para as suas ideias.

“Quando alguém cria algo com todo seu coração, essa criação ganha uma alma.” Foi assim que Baron, uma pequena estátua de gato do filme Sussurros do Coração, retornou em O Reino dos Gatos como uma criatura animada.

Essa lógica pode se aplicar a incontáveis histórias, muitas conhecidas por nós. Em Pinóquio temos Gepeto, o solitário entalhador que queria que sua adorada criação se tornasse seu próprio filho. Esse é o caminho mais comum, ao personificar seres que já são feitos à imagem semelhança do ser humano. Contudo, não é a única possibilidade.

Na música brasileira, temos o clássico “O Caderno” de Toquinho, cujo eu lírico descreve suas experiências como caderno, acompanhando sua dona “do primeiro rabisco até o bê-a-bá”. O caderno da música se identifica como “amigo” e “confidente fiel” e também demonstra ter vontade própria ao pedir para não ser esquecido num canto qualquer.

Podemos personificar cadernos, lápis, tesouras, chapéus, roupas, tatuagens, quadros, desenhos, móveis, casas, árvores, rios, montanhas, gatos, cachorros, avestruzes, ornitorrincos. Podemos personificar tudo e qualquer coisa, desde que consigamos construir essa conexão entre o que é o “eu” e o que é o “outro”.

Para publicar ebook pondo em prática esse recurso narrativo, o primeiro passo é saber se colocar no lugar daquilo que é diferente de você. Da mesma forma que Toy Story nos proporcionou a perspectiva do dia-a-dia de um brinquedo e Toquinho nos fez imaginar como se sente um caderno, você deve se colocar nesse “lugar outro”.

Como seria o dia-a-dia, então, de uma montanha? Logicamente, ela não muda de lugar. Contudo, ela vivencia as mudanças do tempo, tem seus habitantes nativos e seus visitantes também. Certos dias suas águas estarão abundantes e outras vezes escassas. A natureza pode estar vibrante ou seca. As terras podem estar firmes ou não.

Uma montanha pode ser segura, pode ser perigosa. E se ela tiver humor? E se ela pode mudar suas condições? E se ela sofre com as ações do tempo? Como a montanha se sente? Tente entender. Não existe personificação sem o exercício da empatia.

Você pode começar por objetos e/ou seres mais próximos de você. As plantas da sua casa, os seus animais de estimação. Depois se afastar mais um pouco, tentando entender como é o dia-a-dia do pombo que aparece na sua janela.

E seus livros? Será que têm sentimentos?

E se você tiver a coleção de alguma coisa?

A casa onde você cresceu, já parou para pensar?

Os sapatos nos quais você pisa. O uniforme da sua escola primária.

Tudo é passível de ser personificado. Você só precisa especular e se conectar.

E aí, autor? E para você? Qual a criatura que você sempre imaginou personificada?

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