Quando pensamos em literatura de todos para todos, encontramos uma enorme pedra no meio do caminho: o alto índice de analfabeltismo no Brasil. Afinal, como todos podem publicar livro se nem todos podem ler? Há uma nítida limitação no alcance do mercado editorial brasileiro. Para expandir nossos horizontes, precisamos primeiro pensar em como a autopublicação de ebooks pode contribuir para a mudança deste cenário.
Todos sabemos que o Brasil é um país que lê pouco. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 44% da nossa população se identifica como “não leitora”. Isto é, são pessoas que não têm o hábito de leitura e que não abriram um livro há meses.
Na crença popular, a culpa por essa estatística muitas vezes é atribuída a uma suposta falta de cultura. Contudo, o mais provável é que esse fato esteja conectado ao índice de analfabetismo no Brasil, que até hoje é aterrador: 29% dos brasileiros com 15 anos ou mais são analfabetos funcionais e 7% são analfabetos absolutos (fonte: IBGE). Para quantificar melhor, são cerca de 38 milhões de pessoas que não conseguem compreender sequer um texto básico.
Sabemos também que o índice de analfabetismo é maior entre pessoas pobres e que residem em regiões mais afastadas dos centros urbanos, fatores que muitas vezes as obrigam a abrir mão dos estudos para contribuir ao sustento da família desde cedo. Os estudos indicam que o analfabetismo no nordeste é quatro vezes maior do que no sudeste, por exemplo.
Programas governamentais de incentivo aos estudos, como os cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Alfabetização de Jovens e Adultos (AJA) contribuíram para um enorme aumento na alfabetização da população em todas as faixas etárias nas últimas décadas. De qualquer forma, melhorias ainda são necessárias.
Como isso afeta o mercado editorial?
Basta somar dois mais dois para perceber que o acesso à educação está intimamente relacionado ao acesso à literatura. Logo, a recíproca se prova verdadeira: quando a população têm pouco acesso à leitura, o mercado editorial enfraquece.
Segundo a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro 2017, o faturamento do setor caiu em 4,76% em 2017. Esses dados desconsideram os ebooks, que são produzidos por apenas 37% das editoras do país de acordo com o Censo do Livro Digital.
Como mencionamos no artigo Ebooks de literatura infantil, os livros cumprem um papel importante na alfabetização de crianças. Ler desde cedo, de preferência com o auxílio de uma pessoa alfabetizada, contribui para a compreensão de conceitos como o que são letras, palavras, frases e quais suas correspondências com os sons. Nas condições ideais, os ebooks são ainda mais eficazes do que os livros impressos neste processo.
No entanto, em um país onde nem todos têm condições para comprar a eletrônicos, o acesso aos ebooks é ainda mais limitado. De fato, exigir que as pessoas simplesmente comecem a ler não é a solução. Por outro lado, é possível sim implementar programas sociais que aumentem esse acesso.
Assim como os livros impressos, os ebooks também podem ser acessados em bibliotecas. Com programas de acesso à tecnologia em comunidades mais humildes, os ebooks podem causar grandes mudanças. O mercado de autopublicação digital por si só já visa ser mais acessível: os preços de capa de ebook são menores e não há “porteiros” que impedem autores inexperientes de publicar ebook.
É óbvio que, por mais que todos queiramos um mundo melhor, sozinhos não temos a capacidade de causar essa mudança num passe de mágica. Mas, com pequenos passos, é possível. Ofereça edições gratuitas do seu livro ou catálogo para bibliotecas públicas. Faça leituras públicas em ambientes onde o acesso à literatura é escasso. Plante a semente da escrita em novas e velhas mentes que nunca pensaram que a literatura era uma possibilidade, quem dirá um caminho.
Um caso compartilhado no Twitter por Thayná Gomes (@gomestth), exemplifica bem as possibilidades do contato direto entre artista e comunidade. Em uma escola do interior de Sorocaba, a professora pediu permissão para utilizar as pinturas de seu pai, o artista Carlos José Gomes, em uma aula do segundo ano, na qual os alunos fizeram releituras de uma de suas obras como forma de homenagear o artista.
A escolha da professora não foi ao acaso. Ela preferiu fugir de artistas consagrados para valorizar a cena local, que é desprivilegiada. Essa escolha fez a diferença fundamental para as crianças. Foi marcado um dia para realizar a homenagem pessoalmente. O artista recebeu os retratos e deu de presente caixas com tinta acrílica e pincéis para cada uma das crianças. Para as crianças, foi como conhecer o próprio Van Gogh. “Tia, quando ele me abraçou, eu não conseguia respirar de tão feliz”, disse uma das alunas para a professora.
Para essas crianças, que vivem em uma comunidade carente, sem acesso a alimentos tão básicos como um morango, cuja perspectiva de emprego está quase sempre relacionada ao tráfico, uma pequena ação como essa abriu portas. Talvez nasça um pintor daquele pequeno momento. A arte, que parecia tão distante, tornou-se uma realidade próxima, palpável.
Embora a solução definitiva para o analfabetismo no Brasil esteja nas políticas públicas, podemos contribuir para que nasçam cada vez mais leitores. Mostre você mesmo ao mundo o que significa uma literatura de todos para todos.
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Com o simples esforço de ler, em minutos podemos aprender conhecimentos que a humanidade levou milhares de anos para descobrir.
E se você não gosta de ler, significa que já foi desqualificado, pelo super controle de qualidade da Natureza. LH