A jornada do herói: como usar o monomito para escrever um livro

Este mês, falamos sobre diferentes inspirações de modelos de estrutura para enredos. Não podíamos tocar nesse assunto sem trazer à tona a Jornada do Herói, também conhecida como monomito. Por isso, nas dicas de autopublicação de hoje, vamos nos dedicar inteiramente a explicar esse modelo narrativo que está presente no nosso imaginário desde que o mundo é mundo.

O monomito é um termo que foi conceituado por Joseph Campbell, professor de literatura e especialista em mitologia, no livro O Herói de Mil Faces (1949). A estrutura do monomito, conforme apresentada por Campbell, surgiu de uma análise de mitos de todo o mundo, de Jesus a Buda, argumentando que todos têm uma base semelhante.

Desde então, o que já estava presente no nosso imaginário de forma inconsciente, tornou-se uma base para autores de ficção. O próprio George Lucas cita Campbell como uma de suas influências na criação de Star Wars.

Nos anos 90, o roteirista e produtor Christopher Vogler criou um “Guia Prático para o Herói de Mil Faces” para ser usado por seus colegas de trabalho no Disney Studios, influenciando filmes como Aladdin (1992) e O Rei Leão (1994).

Mais tarde, o que era um guia de sete páginas se tornou o livro A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Escritores (1992), tornando-se uma referência acessível ao conceito da Jornada do Herói que foi usada amplamente em Hollywood.

A estrutura da Jornada do Herói

A Jornada do Herói, segundo Campbell, tem 17 etapas, as quais se encontram em 3 atos principais: a partida, a iniciação e o retorno. Observe:

A PARTIDA

  1. O chamado para a aventura – a vida pacata do herói é interrompida por uma ameaça, um problema ou uma oportunidade
  2. A recusa do chamado – o herói não está disposto a sair da sua zona de conforto e hesita em embarcar na jornada
  3. Ajuda sobrenatural – o herói encontra um mentor que o oferece os recursos e/ou a inspiração necessária para que o herói aceite o chamado para a aventura
  4. Travessia do primeiro limiar – o herói embarca na aventura
  5. Barriga da baleia – o herói encontra seu primeiro grande obstáculo. Agora, não há mais volta

INICIAÇÃO

  1. A estrada de provas – o herói passa por uma série de tribulações para começar sua transformação. É comum que o herói falhe ao menos uma vez
  2. Encontro com a deusa – o herói encontra aliados na sua jornada
  3. A mulher como tentação – o herói é tentado a abandonar sua jornada, a tentação costuma ser um interesse amoroso, a fama ou a fortuna
  4. Sintonia com o pai – o herói encontra a razão da sua jornada, confrontando suas dúvidas, medos e os poderes maiores que influenciam sua vida. Todas as etapas anteriores levaram a este momento, todas as etapas seguintes são uma resposta a ele
  5. Apoteose – o herói entende seu propósito e/ou habilidades. Com esse novo conhecimento, ele se prepara para a etapa mais difícil da jornada
  6. A grande conquista – o herói cumpre sua missão

RETORNO

  1. A recusa do retorno – após uma jornada vitoriosa, o herói se sente relutante a voltar para a sua vida pacata no mundo comum
  2. Voo mágico – o herói deve escapar com o item da sua missão, fugindo daqueles que desejam tomá-lo
  3. Resgate interior – semelhante ao Encontro com a deusa, o herói recebe ajuda para voltar para casa
  4. Travessia do limiar – o herói volta para o mundo comum
  5. Senhor de dois mundos – o herói encontra o equilíbrio entre quem ele era antes e quem ele é depois da jornada
  6. Liberdade para viver – a narrativa se encerra e o herói fica em paz para viver sua vida.

Vogler, por sua vez, reorganizou a Jornada do Herói em 12 etapas, algumas das quais são iguais e outras um pouco diferentes ao que foi apresentado por Campbell:

  1. O mundo comum – antes da jornada começar, conhecemos o herói em sua vida cotidiana
  2. O chamado para a aventura – correspondente à etapa 1 de Campbell.
  3. Recusa do chamado – correspondente à etapa 2 de Campbell.
  4. Encontro com o mentor – semelhante à etapa 3 de Campbell.
  5. Travessia do primeiro limiar – correspondente à etapa 4 de Campbell.
  6. Provações, aliados e inimigos – o herói saiu do mundo comum, e nada mais é como antes. Nesta etapa, o herói passa por tribulações, encontra aliados e também inimigos. Pode ser considerada uma condensação das etapas 6 a 8 de Campbell.  
  7. Aproximação – o herói se aproxima do local mais perigoso de sua jornada, provavelmente onde precisa chegar para cumprir sua missão
  8. Provação difícil ou traumática – a tribulação mais difícil que o herói já enfrentou até agora, um momento sombrio. Na Jornada do Herói segundo Vogler, este é o momento crítico que define todas as decisões subsequentes do herói.
  9. Recompensa – após tantas tribulações, o herói finalmente colhe os frutos do seu esforço. Essa recompensa pode ser o conhecimento ou talvez um item o qual o herói almejou durante toda a jornada
  10. O caminho de volta – a história ainda não acabou. Agora que o herói conseguiu sua recompensa, ele tenta voltar ao mundo comum, mas mais desafios surgem. O herói precisa enfrentar as consequências dos seus atos (ex.: ao tomar posse do item mágico, o dragão que o guardava persegue o herói)
  11. Ressurreição do herói – o verdadeiro clímax da história, a tribulação final que testa se o herói realmente aprendeu sua lição durante a provação traumática. Enfim, o herói vive sua “ressurreição”, alcançando o triunfo
  12. Regresso com o elixir – enfim, o herói volta para casa, mas ele não é mais o mesmo. O “elixir” pode ser a sabedoria que levou consigo, um item ou talvez uma nova habilidade.

Como escrever livro usando a Jornada do Herói?

A Jornada do Herói, seja a de Campbell ou a de Vogler, não precisa ser seguida à risca. Você pode se inspirar nesse modelo de forma livre, excluindo as etapas que não lhe convém ou mudando a ordem conforme desejar.

Inclusive, existem autores que preferem não se aprofundar no monomito. É o caso de Neil Gaiman, que desistiu de ler O Herói de Mil Faces na metade. No caso, não é como se Gaiman rejeitasse o modelo. Na verdade, suas histórias são frequentemente comparadas ao monomito. Ele apenas prefere não conhecer a sua estrutura e, caso suas histórias se encaixem nesse modelo, que seja sem querer.

Afinal de contas, a Jornada do Herói não foi criada por Campbell. Ela nem sequer foi criada no século XX. Trata-se de uma análise de mitos clássicos que acompanham toda a humanidade. É natural que, mesmo de forma inconsciente, sigamos o monomito.

Contudo, caso você queira publicar livro com o enredo planejado a partir da Jornada do Herói, recomendamos que você siga três etapas simples:

  1. Crie um herói
  2. Dê ao herói um objetivo
  3. Pense de modo geral nos eventos da partida, iniciação e retorno do herói, montando um resumo do enredo

A partir daí, você pode planejar o seu enredo de modo semelhante ao Método Snowflake, preparando um resumo dos eventos que acontecerão em cada etapa da Jornada do Herói. Para saber mais, consulte nosso artigo Como fazer um enredo bem planejado? Técnicas incríveis.

Pode ser interessante também estabelecer metas em relação à quantidade de palavras que você escreverá em cada etapa do livro. Digamos que o primeiro e o terceiro ato ocupam cerca de 25% do enredo cada, enquanto o segundo ato representa 50% da história. Supondo que você queira publicar ebook com 100.000 palavras, as suas metas de escrita seriam assim:

  1. Primeiro ato, Partida – cerca de 25.000 palavras
  2. Segundo ato, Iniciação – cerca de 50.000 palavras
  3. Terceiro ato, Retorno – cerca de 25.000 palavras

E aí, autor? Está pronto para embarcar nessa jornada?

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