Todo escritor já deve ter ouvido o conselho “escreva sobre o que você conhece”. Você pode concordar ou não. De um jeito ou de outro, está tudo bem, pois o que vamos sugerir nas dicas de autopublicação de hoje é uma forma bem particular de interpretar esse conselho.
Antes de mais nada, precisamos admitir que não há nada, nem ninguém que conheçamos melhor do que a nós mesmos. Cada pessoa é um universo inteiro, com sensações que nenhum outro poderá sentir, pensamentos que ninguém mais poderá ouvir.
Podemos tentar compreender o outro, podemos praticar a empatia, a compaixão. Temos todos os recursos de dedução lógica, imaginação, emoção e comunicação para tentar desvendar a experiência que é ser o outro, mas jamais vamos vivê-la em primeira mão.
De certa forma, esse é um dos prazeres da escrita. O “brincar” de ser o outro, que pode alcançar níveis intensos de imersão. Inclusive, sair da personagem pode ser difícil quando você se joga de verdade no papel.
Mas onde queremos chegar com tudo isso?
Bem, escrever sobre o que você conhece não significa que toda história que você escreve tem que se passar na sua casa, na sua rua, no seu bairro, na sua cidade, no seu país. Não significa que suas personagens devem ter a sua cor, sua orientação sexual, sua identidade de gênero. As famílias que você escreve não precisam ser uma réplica da sua.
A bem da verdade, se todo mundo escrevesse assim, a maioria das personagens também seriam escritoras. O mundo ficaria um pouco redundante, não é mesmo?
O que devemos levar em consideração é que nossas vidas são feitas de muito mais do que o óbvio. É a amálgama das nossas experiências que nos torna inteiramente quem somos.
Por isso, se você pegar só um pouquinho da sua vida emprestada, sua personagem não será uma cópia descarada de alguém real. Assim como você, ela terá sua própria individualidade. Um pouco de inspiração na vida real e um “elemento X” para dar um gostinho especial à fórmula.
Onde encontrar inspiração na nossa vida?
A verdade é que podemos encontrar inspiração em toda parte, desde os momentos mais fugazes até experiências traumáticas. O que interessa é o modo que você aproveita essas inspirações, tornando-as em algo diferente da realidade.
O que são as pequenas inspirações?
Pequenas inspirações podem ser compreendidas como momentos de beleza, de terror, de sofrimento, de alegria, de orgulho, de vergonha, de diversão. São momentos bobos, mas que despertaram uma sensação em você, algo suficiente para causar uma impressão.
Um pequeno momento de inspiração pode ser uma paisagem bonita. Pode ser quando você voltou para casa a noite e achou que sofreria uma violência. Pode ser uma interação agradável com um completo estranho. Pode ser o momento que um animal selvagem, talvez um inseto, pousou em você (seja isso uma experiência boa ou ruim).
Nesses momentos, algo parece explodir nas nossas mentes criativas, como se uma narrativa se desenrolasse a partir daí. Essas experiências também são sua vida, mas percebe como elas parecem um portal para uma realidade paralela? Há um mundo inteiro a partir dali, desse pequeno momento de inspiração.
E as grandes inspirações?
As grandes inspirações representam momentos mais duradouros, que inevitavelmente acabam se entrelaçando em outros aspectos da sua vida. Alguns exemplos que se encaixam nessa categoria são:
- Dinâmicas familiares
- Relacionamentos amorosos
- Vivências traumáticas
- Experiências profissionais
- Pessoas da nossa vida
É natural querer escrever sobre experiências impactantes. O difícil aqui é saber delimitar onde acaba a inspiração e onde começa a ficção.
Lembre-se sempre que com a Bibliomundi você tem total liberdade criativa ao publicar ebook. Não sinta que você tem a obrigação de transformar as suas experiências reais em ficção.
O que sugerimos é que você descubra por conta própria o que é que você deseja escrever: uma autobiografia ou uma história ficcional. Ambas as possibilidades são válidas.
Como usar uma inspiração da vida real para criar ficção
Para escrever uma obra de ficção, o que sugerimos é que você isole os elementos que inspiram você, sejam eles baseados em momentos fugazes ou vivências prolongadas.
Quando se trata de momentos curtos, é óbvio que será mais fácil separá-los do resto da realidade. Afinal, eles não têm tanta conexão com o resto da sua vida para começo de conversa. Você pode seguir sua inspiração tal qual Alice, vendo um coelho com relógio de bolso e o seguindo até outra dimensão, totalmente distinta da sua realidade.
Para Lewis Carroll, o autor de As Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho e O que Ela Encontrou Por lá, no entanto, a inspiração não foi um coelhinho que estava só de passagem. Na verdade, a primeira versão da história foi narrada oralmente em um passeio de barco com ninguém mais, ninguém menos do que sua inspiração: a pequena Alice Liddell, de uma família conhecida do autor.
A personagem não se assemelha fisicamente à pessoa real. Alice Liddell tinha cabelos curtos e escuros, enquanto a Alice eternizada na ficção tem longas madeixas loiras. Os eventos também são imaginativos demais para revelarem qualquer coisa sobre a vida da família Liddell.
O que fazemos com a nossa inspiração é totalmente subjetivo. Podemos escrever um livro em homenagem à uma pessoa real, que conhecemos intimamente, e torná-la um ser além do tempo e do gênero. Foi o que Virginia Woolf fez em Orlando, inspirado em sua amada Vita Sackville-West.
Se você quer escrever sobre uma experiência traumática, sua personagem não precisa se assemelhar a você em nada mais do que essa experiência. E mesmo essa experiência não precisa acontecer de forma exatamente igual.
Em toda a amplitude dessa experiência, é provável que exista algum ponto central que representa aquilo que é mais interessante para você. Escrever sobre esse trauma pode ser uma forma de lidar com ele, uma espécie de catarse, talvez até uma lição sobre como encontrar a cura para cicatrizes que ninguém mais pode ver.
Seja qual for a sua inspiração, sugerimos este exercício: filtre e disseque até encontrar seu ponto “mais puro”. Dessa forma, você pode até mesmo incluir diversas inspirações reais em uma mesma obra sem que ela se assemelhe demais à realidade.
Sua personagem pode ter uma profissão diferente, outra idade, outras experiências amorosas, mas compartilhar com você um certo histórico familiar, certas dificuldades de convívio, certos traumas.
Caso esse processo de dissecar suas inspirações não seja o que funciona para você, também há outro caminho: o “elemento X”. Em vez de tentar filtrar suas inspirações até a essência, que tal você só pegar a inspiração como ponto de partida e tentar imaginar “e se algo acontecesse de diferente a partir daí”?
Assim, você pode imaginar uma personagem que começa de forma parecida com você, compartilhando experiências suas, mas em algum momento a sua vida toma um rumo bem diferente da realidade.
Ao seguir esse modelo, é possível que a história acabe se assemelhando bastante com a sua realidade, o que não é um problema em si. Contudo, tome cuidado para não ofender ninguém que possa se sentir representado em alguma personagem!
Escreva seu primeiro rascunho sem reservas, coloque tudo para fora. Mas, na hora de revisar, preste atenção em certas pessoas e eventos que estão parecidas demais com a realidade, especialmente aquelas que podem se sentir prejudicadas de alguma forma.
Trocar nomes e características até que as personagens não sejam mais associáveis às suas inspirações reais é uma solução. Outra possibilidade é pedir permissão às pessoas em quem sua história se baseou. De qualquer forma, tome as precauções necessárias para não levar um processo!
E aí, autor? Já levou algum elemento da sua vida real para a ficção?