Horror cósmico: como escrever um livro inesquecível

O desconhecido que apavora, verdades absurdas e desoladoras demais para se manter são após descobri-las, a impotência da humanidades frente a essas ameaças. Tudo isso caracteriza o horror cósmico, um subgênero que vai muito além do que conhecemos como terror.

Teorizado e popularizado no século passado pelo escritor americano H.P. Lovecraft, o horror cósmico é um tipo de “ficção estranha” (weird fiction, em inglês). Cheia de tentáculos e abominações, o estilo marcante de Lovecraft se tornou a referência para o subgênero, que também é comumente chamado de “terror lovecraftiano”.

Enquanto ao escrever uma história de terror padrão é comum criarmos protagonistas heróicos que encaram de frente quem (ou o que) os ameaça, podendo ou não ter um final feliz e vitorioso, no horror cósmico a abordagem é muito mais vaga, sutil e… pessimista.

Até o leitor mais ávido de Lovecraft terá dificuldade de se lembrar dos nomes de seus protagonistas. O motivo é simples: quem esses protagonistas são como pessoas não é importante. O que de fato importa é a sua função narrativa. O protagonista é a personagem que guia o leitor através da história.

E o vilão? Ele não é apenas um serial killer ou um monstrinho. Trata-se de uma abominação incompreensível, capaz de destruir por completo todas as crenças do protagonista, levá-lo a loucura, destruir o mundo como ele o conhece.

O verdadeiro vilão do horror cósmico, de certa forma, é a “verdade” assoladora que o protagonista descobre ao entrar em contato com essa abominação. Uma verdade que muda a perspectiva sobre o papel da humanidade no universo. Não somos o centro do mundo. Somos pequenos insetos insignificantes, que podem ser mortos até por hobby.

O “mal” não enxerga a humanidade como um rival, um inimigo. O “mal” sequer nos compreende, e igualmente não podemos compreendê-lo. O “mal” pode nos destruir a qualquer momento.

Não há chances de vitória. E, se houver, o custo será tão alto que o protagonista poderá se tornar o próprio mal. Ou isso, ou estará se iludindo, acreditando que venceu, apenas para permanecer à sombra da sua destruição iminente em algum momento após o ponto final.

Tudo isso é o horror cósmico. A mudança dos paradigmas. O medo d’O Outro. E não é a toa que essas são histórias inesquecíveis. Enquanto outros subgêneros do terror podem fazer com que você tenha medo do escuro, de palhaços , demônios ou bonecas assassinas, o horror cósmico faz você questionar o mundo como conhece ao se deitar à noite.

Como escrever horror cósmico?

Qual o segredo para escrever um livro de horror cósmico que estremeça as estruturas dos seus leitores? Você deve começar seguindo as características marcantes do gênero.

1.      Esqueça os protagonistas cativantes

Em outros gêneros, dentro e fora do terror, é comum a criação de protagonistas cativantes, que conquistam o carinho dos leitores. Essa conexão entre personagem e leitor é utilizada a favor da narrativa, contribuindo para a imersão na leitura. O resultado é um leitor mais empático, que torce para que o protagonista tenha um final feliz e escape do perigo iminente.

Você pode esquecer tudo isso se o seu objetivo é publicar livro de horror cósmico. Nesse gênero, o protagonista não é nada mais do que um recurso narrativo. Uma personagem não precisa de características marcantes, nem sequer um nome para ser protagonista de uma história de horror cósmico. Basta ser um humano comum que viva em primeira mão essas experiências horripilantes.

De certa forma, é como se o protagonista fosse uma personagem em branco, para que o leitor possa se colocar no lugar dela e enxergar a história com seus olhos. Nesse sentido, ler uma história de horror cósmico é como entrar num simulador de realidade virtual. O protagonista não tem falas, não tem rosto. É apenas você, vivendo uma experiência fictícia.

Isso não significa, no entanto, que suas personagens não possam ter nomes ou identidade própria. Apenas que o foco da história não deve ser o protagonista, e sim o horror.

2.      Revelações devastadoras

O erro fatal é um elemento comum no terror em geral. É como o titanic: você acredita que é um navio indestrutível e descobre do jeito mais difícil que não, não era bem assim. O que diferencia o horror cósmico é a magnitude desse erro… assim como a sua natureza.

O protagonista, como um representante da humanidade, deve estar fundamentalmente errado sobre algo importante. Algo que diz respeito à própria forma que compreendemos o mundo. Quanto maior o impacto dessa revelação, melhor.

No horror cósmico, ao mesmo tempo que o desconhecido é assustador, a ignorância é uma benção. A verdade pode ser tão assoladora que o protagonista vai a loucura, e o leitor acompanha esse processo de degradação mental.

A verdade é algo fora desse mundo, incompreensível, ameaçadora. Ela não tem, necessariamente, a forma de um vilão grotesco com intenções assassinas. Contudo, saber que esse vilão tem o poder para mudar completamente ou mesmo acabar com a sua vida do dia para a noite… Essa informação não o deixa dormir em paz.

3.      Um final satisfatório não é um final feliz

É comum torcermos para os protagonistas em histórias de terror. E, sim, também é comum que muitas personagens morram no meio do caminho. Na fórmula padrão, sempre tem uma ou outra personagem que morre de forma boba, como uma demonstração da letalidade do vilão.

O horror cósmico não trabalha com essa esperança de um final feliz. Inclusive, dar um final feliz à sua história pode ser o suficiente para que ela não seja categorizada como horror cósmico. É sério.

É possível publicar ebook em que o protagonista vence no final e ainda ser considerado uma história de horror cósmico. A questão é que mesmo que essa “vitória” exista, ela não deve ser um “final feliz”. O outro lado da moeda faz parte do horror cósmico.

O normal é que o “mal” prevaleça, que o protagonista vá a loucura e/ou morra e por aí vai. As condições para que o protagonista encontre a vitória numa história de horror cósmico geralmente são:

  • Custos inimagináveis. Tal qual um “pacto com o demônio”, essa vitória envolve consequências graves.
  • Ilusão de vitória. O protagonista vence uma batalha, mas não a guerra. Talvez uma faceta da abominação tenha sido destruída, mas a abominação segue viva e capaz de voltar para destruí-lo a qualquer momento.
  • Paranóia incurável. Após a revelação, a personagem nunca mais será a mesma. Ainda que a abominação tenha sido derrotada, ela segue com medo de seu retorno, ou do que mais pode existir nesse mundo afora.

Em outras palavras, pode até haver uma vitória, mas jamais um final feliz.

Criando uma abominação lovecraftiana

A abominação é o coração do horror cósmico. Em um modelo narrativo que nem mesmo o protagonista tem relevância, toda a ênfase se encontra na fonte do horror, essa abominação inimaginável que cumpre o papel de vilão da história… Mas como desenvolver essa criatura tão fora da nossa compreensão?

Um recurso muito útil, como mencionamos recentemente no nosso blog de autopublicação, são os tropes. Você pode se inspirar nas características padrão do gênero para criar a sua própria abominação eldritch (como as criaturas lovecraftianas são comumente chamadas). Para entender melhor, leia o artigo Como usar tropes na escrita e acesse este guia do site TV Tropes.

A abominação de uma história de horror cósmico pode ter todo o tipo de forma:

  • Disforme, além da nossa compreensão
  • Animalesca e nojenta, como um monstro cheio de tentáculos
  • Humanóide, pois nada como achar que algo é humano e… não ser
  • Conglomerado de corpos. Sim, uma criatura feita de vários corpos amontoados
  • Parecida com um animal ou inseto, mas maior e mais assustador
  • Um misto entre algo humano e… inumano
  • Robótica, pois robôs também podem ser muito assustadores
  • Qualquer coisa que cause desconforto. Use sua imaginação

E quanto à moralidade, origem, entre outras características, você também pode explorar bastante. A abominação pode ser extremamente inteligente ou completamente irracional. Pode ter um plano elaborado, com objetivos nítidos, ou ser movida a nada mais, nada menos do que pura curiosidade. Pode querer destruir o mundo ou simplesmente perturbar a existência humana. São possibilidades infinitas.

O mais importante é que a abominação seja estranha, cause desconforto, e tenha um poder além do controle humano. No horror cósmico, vivemos uma inversão de poder.

Sabe a maneira que formigas são insignificantes para a gente e podemos pisar nelas a qualquer momento? A maneira que às vezes as matamos só porque elas nos fizeram cócegas? E, de vez em quando, pode acontecer uma infestação de formigas e então simplesmente jogamos veneno nelas?

No horror cósmico, os humanos são como formigas. A abominação é como os humanos, podendo nos destruir a qualquer momento.

E aí, autor? Está preparado para se jogar nesse universo de incertezas e do desconhecido? Conte-nos sobre a sua história de horror cósmico favorita!

1 comentário

  1. Etercilia Araújo de Castro

    Boa noite
    Obrigada por enviar esse email.

    Li todas as matérias e gostei das informações, tinha e tenho muitas dúvidas, pretendo escrever um livro, gostaria de conversar com uma pessoa diretamente ou pelo email ou wsts.

    Agradeço

    Responder

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