Ah, o mito do escritor solitário. Para muitos, a escrita é assim: uma atividade solo, num quarto fechado, com uma escrivaninha e sem interrupções. O autor é rei, suas opiniões incontestáveis. Ninguém pode intervir.
Bem, se você preferir assim, não somos nós que vamos impedir. Nós, da Bibliomundi, proporcionamos total liberdade criativa para quem opta pela autopublicação de ebooks através da nossa plataforma. O que você mandar é o que vai para as telas dos leitores digitais.
A questão é… o que impede você de tentar algo diferente? Por que não experimentar a co-autoria?
Não é como se não houvessem clássicos escritos colaborativamente. Vários dos mais consagrados contos de fadas são conhecidos em versões assinadas pelos Irmãos Grimm. Irmãos, plural.
E quando Sir Terry Pratchett e Neil Gaiman se uniram para escrever Belas Maldições (em inglês, Good Omens)? Será que deu ruim? Ou será que o livro é tão amado que ganhou uma adaptação para a rádio e outra para série de TV mais de trinta anos após seu lançamento?
Publicar livro escrito em dupla, até mesmo em grupo, não é nada fora da realidade. Um clube de leitura pode se tornar um clube de autoras, unindo cinco cabeças para escrever um best-seller. Acredite, pois já aconteceu e mais de uma vez. (Não acredita? Confira aqui este artigo do jornal The New Yorker com vários casos).
Trabalhar em equipe para escrever um livro, quando a colaboração está bem esquematizada, pode ser descrito como uma experiência semelhante à do conto O Sapateiro e os Elfos: quando você descansa, vêm essas criaturas misteriosas para concluir o trabalho em seu lugar. Ao menos, é assim que descrevem as três autoras que atuam sob o pseudônimo Helena S. Paige.
Cada indivíduo tem suas habilidades únicas e num trabalho em grupo, poder depender de outros autores capazes para concluir o projeto pode ser um enorme facilitador. No nosso blog, sempre falamos sobre como o autor independente precisa se desdobrar em mil funções para publicar ebook.
Não é nada mal ter colaboradores dispostos a dividir esses esforços com você. Até mesmo na hora de divulgar o livro, vocês podem revezar nos compromissos de acordo com a disponibilidade de cada um e conquistar resultados muito melhores.
No entanto, é bom atentar que na mesma medida que escrever em equipe pode facilitar o processo de publicação, também pode atrapalhar. É só pensar nos trabalhos em grupo da escola. Há quem os adorasse por representar a mesma nota, mas com metade do esforço e há quem os odiasse porque significava ter que carregar toda uma equipe nas costas.
Por isso, organizamos um passo a passo para você estabelecer uma co-autoria que funciona de verdade!
1. Encontre alguém que pensa parecido com você
Escrever um romance colaborativo é possível, mas essa estrada se torna muito mais sinuosa se você não tiver sintonia com seu co-autor. Pensar parecido e, acima de tudo, ser capaz de tomar decisões em conjunto é de extrema importância.
Portanto, recomendamos que você faça certos “testes de química”, por assim dizer, antes de embarcar de vez nessa jornada. Não é nada demais, mas você pode começar tentando pedir delivery de comida junto com essa pessoa. Observe se:
- Você sentiu que apenas uma das partes decidiu tudo sozinha?
- Ou vocês ficaram discordando e nunca conseguiam chegar a um acordo sobre o que pedir?
A capacidade de discutir diferentes possibilidades em pé de igualdade, sem abrir mão por completo de expressar suas opiniões, mas ainda sendo capaz de ouvir o que o outro tem a oferecer e, por fim, chegar a uma conclusão que satisfaça ambas as partes é um sinal positivo.
É claro, você também pode conversar diretamente com seu co-autor em potencial sobre seus processos criativos, ética de trabalho, opiniões sobre trabalho em equipe, preferências literárias e partir para uma boa chuva de ideias!
No fim das contas, para escrever um livro a dois (ou a três, a quatro, a cinco…) o maior sinal de química entre os co-autores é a capacidade de ficar falando horas e horas sobre uma ideia de enredo, personagens e cenas, até que de repente tudo sai em cascata no papel.
2. Abra mão do controle total
Lembre-se, você não será o único autor dessa história. Trata-se de um projeto colaborativo. Você deve ser capaz de compartilhar não só o crédito por escrever esse livro, mas também permitir na prática que seu parceiro tome decisões criativas. Decisões essas que podem contrariar as suas, por vezes.
Vamos voltar para a metáfora do delivery. Às vezes, um amigo seu pode insistir para comer em um restaurante que você não conhece e, a princípio, você pode ser contra a ideia. Talvez você prefira ir num lugar mais dentro da sua zona de conforto. Contudo, a decisão de ouvir seu amigo e experimentar algo novo pode ter bons frutos. Quem sabe esse se torne o seu novo restaurante favorito.
Trabalhar em equipe significa aceitar que suas opiniões nem sempre vão prevalecer. Que nem sempre sua ideia é a ideia que funciona melhor para uma história. Que, às vezes, seu parceiro de escrita vai surpreender você completamente.
Isso não significa, obviamente, que você sempre deve abrir mão de tomar decisões criativas nesse projeto. Apenas mantenha uma mente aberta.
3. Estabeleça regras e planos para o projeto
Parcerias profissionais costumam ter contratos. Por que um projeto de co-autoria não teria? Tentar estabelecer regras de antemão pode evitar muitas dores de cabeça no futuro. Essa é uma recomendação direta de autores com experiência em co-autoria.
Quais serão essas regras? Bom, isso depende de cada equipe, mas é interessante pensar em um comprometimento com o projeto em suas diversas etapas (desde o rascunho até a edição, a publicação e a divulgação), além de questões práticas em relação à divisão dos royalties e dos direitos autorais.
Questões subjetivas também são importantes. Conflitos podem vir e vocês devem se preparar para isso. Pense em regras para a resolução de conflitos, além de formas de manter todo o processo criativo divertido, ao mesmo tempo que eficiente.
Recomendamos também que vocês pensem em metas de escrita, além de elaborar um cronograma para a conclusão do projeto. Em quanto tempo vocês pretendem terminar? De quanto em quanto tempo vocês devem se reunir para discutir os avanços do projeto? Tudo isso é relevante.
4. Desenvolva uma rotina de escrita, revisão e discussão
Não basta desenvolver planos sem estabelecer uma rotina. É no dia-a-dia que damos os passos necessários para concluir um grande projeto. É também no dia-a-dia que se estabelece uma dinâmica de trabalho em equipe funcional.
Para Neil Gaiman e Terry Pratchett, o processo criativo acontecia em grande parte por telefone. Eles conversavam sobre a história por horas, planejavam as novas cenas, as personagens. Depois de desligar, cada um escrevia do seu jeito, quase que numa corrida para ver quem pegava primeiro. E depois de ler as páginas escritas pelo outro, eles reescreviam tudo.
Nesse processo de discutir, escrever, reescrever, o livro se tornou um emaranhado de ideias compartilhadas. Depois de certo ponto, ninguém mais se lembrava quem escreveu o quê. E o resultado foi perfeito.
A maneira de organizar a divisão das funções pode variar muito de uma equipe para outra. Há autores que preferem designar personagens específicas para cada um. Outros autores preferem revezar os capítulos. Podem ter equipes em que um autor é mais responsável pelas descrições, enquanto outro assume os diálogos.
Você pode experimentar a vontade até encontrar a sua dinâmica ideal. Não há um único jeito certo de escrever colaborativamente.
Mas, um ponto em comum no processo criativo da maioria dos livros escritos em co-autoria é que, mesmo que cada autor escreva cenas inteiras separadamente, uma vez escritas, elas podem ser revisadas, editadas, alteradas e até mesmo reescritas pelos colaboradores.
É nesse processo de abrir mão do que você já fez que o livro encontra sua consistência, seu senso de unidade. E, é claro, se o seu co-autor puder reescrever suas cenas, você também poderá reescrever as cenas do seu co-autor.
Neste passo, o ponto-chave é você encontrar na sua rotina o espaço para essas três etapas indispensáveis do processo criativo em conjunto:
- Troca de ideias,
- Escrita propriamente dita,
- Revisão das cenas um do outro
Após concluir o primeiro rascunho, vocês devem começar uma nova etapa de esforços para ler o que foi escrito e editar até que se torne um único texto, de estilo uniforme. Caso tenha dúvidas, dê uma olhada nos nossos artigos sobre como editar seu próprio livro.
5. Comunicação é fundamental
Por fim, tudo se trata de comunicação. É comunicar-se para descobrir se vocês pensam igual. É comunicar-se para pedir uma pizza. É comunicar-se para estabelecer regras. É comunicar-se para estabelecer uma rotina.
Aqui, não basta apenas se comunicar, dizer o que pensa. Você deve também aprender como se comunicar de modo respeitoso e eficiente. Esse projeto não dará certo se você guardar suas opiniões para si, mas também não será bom se você passar por cima das ideias e sentimentos do seu colaborador.
Uma boa sugestão para começar é expressar suas opiniões de modo que deixe nítido que elas são apenas opiniões. Por exemplo, em vez de dizer “Essa cena está longa demais.”, diga “Eu acho que essa cena está longa demais.”
Existe uma grande distância entre a verdade absoluta e opiniões subjetivas. Às vezes, as pessoas pensam que é óbvio que estão expressando apenas uma opinião quando dizem “Esse filme é um lixo”, mas o modo que se expressaram é absolutizador.
Uma linguagem que reconhece sua subjetividade é muito mais respeitosa e abre muito mais espaço para a troca de ideias. Leve em consideração os sentimentos do seu colaborador. Seja humilde na sua forma de se expressar.
Se você não gosta da forma que uma cena foi escrita, não concorda com a caracterização das personagens, você está no seu direito enquanto co-autor. Você pode e deve expressar seu descontentamento. Lembre-se apenas de fazê-lo de forma assertiva, mas não rude, nem arrogante.
“Eu não acho que essa personagem agiria dessa forma. Me incomodou o desenvolvimento dessa cena. Do meu ponto de vista, deveria ter acontecido assim, assim e assado por tal e tal motivo.”
Dialogue sempre, jamais falte com respeito. E, é claro, exija o mesmo do seu colaborador!
E aí, autores? Estão prontos para publicarem um livro em equipe?