Se você acompanha o blog de autopublicação Bibliomundi, já deve ter conferido as nossas dicas para editar seu próprio livro. Todo autor independente já deve ter passado por essa odisseia. Afinal, se o trabalho do escritor não acaba ao publicar ebook, imagina se acabaria logo depois de terminar de escrever um manuscrito.
Depois do primeiro rascunho, vem as revisões e, de suma importância, os cortes. E é disso que vamos falar hoje. Dando continuidade ao artigo Edite seu próprio livro: como saber o quanto você deve cortar na revisão, agora vamos ajudar você a identificar o que deve ser eliminado na etapa de revisão.
É o que sempre falamos: para escrever bem, as palavras não precisam ser perfeitas desde o momento que saem da nossa cabeça para o papel. Tudo tem seu tempo. É uma prática muito saudável se permitir escrever tudo o que vem à mente, como uma enxurrada de ideias, para filtrar depois.
No artigo Aprenda a editar seu próprio livro em 5 passos, oferecemos uma série de dicas para você enfrentar a revisão do seu livro. Você pode se dar um break, separar em etapas, montar e/ou consultar um roteiro, imprimir seu rascunho, ler em voz alta, pesquisar por palavras repetidas, enfim, fazer de tudo um pouco. Técnicas é o que não faltam.
O problema, às vezes, é enfrentar a subjetividade da edição. Para escritores, pode ser que tudo que tenham escrito seja precioso demais para se mudar. Ou pode tudo parecer um grande lixo, a tal nível que é difícil encarar o texto mais uma vez e identificar o que daquilo tudo na verdade é ouro. A revisão pode ser como um garimpo.
Quando estamos afundados nessa subjetividade, pode ser uma boa trazer um pouco de lógica para o processo. Vamos encarar esse passo a passo de forma objetiva.
Portanto, antes de mais nada, prepare um “mapa” da sua história. Se você é do tipo que gosta de planejar o enredo antes de escrever, talvez já tenha algo semelhante em mãos.
O que queremos aqui é que você organize o enredo da sua história em tópicos organizados e resumidos. Por exemplo, você pode tentar escrever em uma frase o que acontece em cada ato. Também pode ser uma boa ideia mapear os sub-enredos e fazer curtas biografias das personagens, sempre identificando onde cada elemento se conecta ao arco narrativo principal.
Esse mapa será o seu guia, e é importante que ele esteja atualizado, contendo a versão da história que você deseja contar agora que terminou de escrever o primeiro rascunho do livro.
1. Identifique sub-enredos desnecessários para a história
Quando criamos um universo narrativo, é normal que nossa mente voe longe e pensemos em vários detalhes que nem sempre contribuem para a história. É preciso coragem para cortá-los se você quer publicar livro bem escrito.
Não é que esses detalhes não tenham seu valor, mas uma qualidade fundamental em uma obra literária é a sua intencionalidade, o quanto ela se completa em si mesma.
Um livro tem um tema, tem uma tese, tem um enredo principal. Sua história pode se desdobrar em mil, desde que esses desdobramentos se voltem para o núcleo, trazendo uma complementação necessária àquilo que define a obra.
Caso contrário, o seu livro parecerá uma colcha de retalhos cheia de fios soltos.
Para avaliar a necessidade de sub-enredos, propomos um exercício bastante simples: se você eliminasse esse sub-enredo do livro, o leitor ficaria confuso? Faltaria uma peça importante para que o arco narrativo principal se concluísse? Caso a resposta seja não, então, já sabe… É hora de eliminar.
2. Corte personagens que não acrescentam em nada
Quando se elimina sub-enredos desnecessários, muitas vezes personagens inteiras vão embora junto. Pode ser que você tenha criado uma personagem muito legal, com um arco narrativo muito interessante que gira em torno dela mesma… sem que ela sequer seja a protagonista da própria história.
Às vezes, uma personagem pode parecer um pouco desconectada do resto, mas cumpre uma função fundamental na construção do enredo ao servir como símbolo de uma mensagem que precisa ser transmitida ao leitor. Por exemplo, essa personagem pode ter uma jornada semelhante à do protagonista, mas com um final infeliz, como um aviso de qual caminho não se deve seguir.
Se essa personagem não tiver um propósito narrativo e você quiser incluí-la apenas porque a acha interessante, considere escrever um livro só para ela. Nem sempre “matar seus queridos” significa, de fato, eliminá-los de toda existência. Às vezes, eles só estão no lugar errado, na hora errada.
É possível também que você identifique personagens que você nem sequer gosta, nem acrescentam em nada, mas incluiu só porque sim. Nesse caso, não há dúvidas. ELIMINE!
3. Analise cena por cena
Não dá para evitar, na hora de editar o próprio livro, você deve ler tudo e ler com atenção. Toda cena de um livro deve ter um propósito. Toda cena deve servir para a conclusão perfeita do arco narrativo, pouco a pouco edificando sua história.
Para fazer essa análise, uma opção é se atentar ao método de Dwight Swain para escrever cenas bem estruturadas, que separa as cenas em “Scenes” e “Sequels”. Isto é, “cenas” e “continuações”. Cada Scene deve ter um objetivo, um conflito e um desastre, enquanto as Sequels têm uma reação, um dilema e uma decisão.
Segundo esse método, um livro deve ser composto integralmente de sequências de Scene e Sequel, sem exceção. O resultado é uma obra enxuta, na qual toda cena contribui para a movimentação do enredo.
Obviamente, você não é obrigado a seguir esse método. Embora prático, pode ser que ele não se encaixe bem ao seu estilo narrativo e tudo bem. Mesmo assim, ainda é relevante avaliar cena por cena.
Pode ser que existam cenas que não tragam muita ação para a história, mas ainda tenham a sua relevância para a movimentação do enredo. Isso ocorre porque, às vezes, a nossa “movimentação” pode ser interna.
Mesmo uma personagem pode precisar de um tempo para respirar antes de tomar uma decisão. Às vezes, se você oferece ao leitor momentos de paz, calma e diversão antes da tempestade, o impacto da devastação pode ser ainda maior.
Aí, podemos entrar em um esquema “Marie Kondo”, trazendo a ideologia da organização da casa para a eliminação de cenas. Você pode separá-las em categorias diferentes, tentando identificar o que cada uma contribui para o enredo: essa cena tem ação? Ela tem reação? Ela antecede um conflito? Ela tem exposição de elementos-chave do enredo? Coloque cada uma numa caixinha para avaliar em conjunto.
Se a cena não tiver nenhuma contribuição objetiva para a história, você pode, então, se perguntar subjetivamente: me traz alegria? Eu sinto que quero essa cena na história, aconteça o que acontecer? Se sim, a mantenha.
4. Cuidado para não explicar demais
Um tipo de cena que pode parecer importante, mas não é, são as cenas que explicam o enredo para o leitor. Essas cenas são particularmente ruins quando envolvem uma personagem falando em voz alta para a outra algo que ambas já sabem, só para que o leitor fique inteirado na conversa também.
Lembre-se que o leitor não é uma personagem (ao menos na maioria dos livros). Não faz sentido que as personagens parem e pensem “ah, pera, eu preciso contextualizar isso para o leitor não ficar perdido”. Todo diálogo acontece dentro da bolha da ficção. Não é normal, por exemplo, que duas irmãs conversem assim:
“Ah, a tia Silmara, que é irmã da nossa mãe e brigou com a família inteira no Natal passado, mandou uma mensagem”. Elas são irmãs. Elas têm a mesma família. Elas sabem quem é a tia Silmara.
Essas “aulinhas” dentro do enredo tendem a ocupar um espaço desnecessário no livro, quebram o ritmo da narrativa e podem até mesmo ofender a inteligência do leitor ao pressupor que ele precisa de uma explicação para tudo.
Tem vezes que basta o contexto para explicar o enredo. Outras vezes, você pode indicar a informação de forma mais sutil e menos desenhadinha, por exemplo, dizendo “A tia Silmara mandou uma mensagem. Foi a primeira vez desde a briga.”
Se você sentir absoluta necessidade de explicar tudo tintim por tintim, pelo menos faça isso de forma mais natural. Por exemplo, com uma personagem esclarecendo tudo a outras que não sabem da história completa.
5. Busque repetições
Por fim, mas não menos importante, você deve buscar (e eliminar) as repetições desnecessárias. E, pode ter certeza, quanto mais se escreve, mais se repete.
É natural que, depois de escrevermos por muito tempo, se perca um pouco o fio da meada. Podemos sentir necessidade de reafirmar algo que já foi mencionado, podemos até mesmo nos esquecer de que aquilo já foi mencionado e falarmos tudo de novo e de novo. Isso não acontece apenas na oralidade.
A repetição de palavras também é um problema. Nos entregamos facilmente aos vícios de linguagem e, quando vamos ver, o texto está grotesco de tanta repetição. Repetição. Repetição.
Nessas horas, as ferramentas de edição de texto são nossas maiores aliadas. Podemos usar diversos recursos, como a busca de palavras, para todo termo que já temos a tendência de repetir, e o marcador de texto, para deixar bem colorido e vibrante aquilo ao qual precisamos dar atenção redobrada.
Você pode começar fazendo uma lista com palavras comuns, como os verbos “perguntar”, “olhar”, “respirar”, “falar”, “responder” e por aí vai. O pulo do gato é pegar essa lista e usar a ferramenta de busca e substituição da seguinte forma:
1. Pesquise a palavra inteira OU a parte da palavra que mais aparece em repetições.
Ex.: No caso do verbo perguntar, pesquise “pergunt” (resultados: perguntei, perguntou, perguntará).
Para advérbios, pesquise “mente” (resultados: deliberadamente, literalmente, exatamente).
2. Na opção de substituição, digite exatamente o mesmo termo que está procurando, mas em LETRAS MAIÚSCULAS. Substitua todas as ocorrências do termo.
3. Releia todo o texto. Com os termos que se repetem com frequência aparecendo em LETRAS MAIÚSCULAS, com certeza você será obrigado a prestar mais atenção.
A marcação de texto pode ser utilizada de forma semelhante. Não se atendo somente a palavras, mas também a trechos completos. Se você acha que há duas cenas muito parecidas, ou que uma personagem acaba falando mais ou menos a mesma coisa mais de uma vez em um diálogo comprido, faça uma marcação no trecho.
Assim, você poderá voltar para esse trecho com facilidade e poderá também comparar as duas cenas que parecem se repetir entre si, podendo determinar qual deve permanecer e qual deve ser eliminada.
E é isso! Seguindo essas dicas, você conseguirá eliminar um bocado de cenas inúteis ao longo de todo o texto.
O que achou? Está pronto para cortar seu livro pela metade? Conte-nos sobre a sua experiência revisando livros!