Quando você é um autor independente, parece que todo o trabalho para publicar livro é multiplicado em mil. Não basta escrever, você também deve revisar e reescrever e avaliar seu próprio trabalho até alcançar um nível que, dentro das suas próprias expectativas, pareça digno de ser publicado.
Você é juiz e é réu ao mesmo tempo. Ainda que tenha total poder sobre o que vai ou não para a versão final, a responsabilidade para tomar a melhor decisão possível é somente sua.
Para sermos justos, ser escritor também não é tão simples quando seu plano é enviar o manuscrito para uma editora. Afinal, um manuscrito mal editado não vai a lugar algum.
Seja o seu público final os leitores de ebook, os avaliadores de um concurso ou os profissionais de uma editora, não há escapatória: você precisa editar seu livro o melhor possível.
Já falamos no nosso blog sobre como evitar a verborragia no artigo Menos é mais: como reduzir seu texto ao necessário e também já passamos os cinco fundamentos para uma boa revisão em Aprenda a editar seu próprio livro em 5 passos.
Hoje, vamos nos aprofundar em um aspecto específico da edição de livros: os cortes. Sim, agora é a hora de se tornar carrasco e matar seus queridos. Não olhe para si mesmo como o réu. Quem está sendo julgado é o seu texto e nada que não seja essencial sobreviverá.
Por que é importante cortar partes do meu livro na edição?
Há vários motivos. Entre eles, a própria contagem de palavras. Para muitos escritores, talvez pareça mecânico levar em consideração a quantidade de palavras que seu texto tem antes de publicar ebook. Afinal, a literatura é para ser livre, cada texto tem suas próprias necessidades, etc.
Mas nem sempre podemos nos deixar levar por essa ideia toda de liberdade. Às vezes você precisa escrever dentro de certas regras. Por exemplo, se quiser enviar o seu texto para um concurso literário.
Ainda que não existam regras fixas, existem certos padrões de mercado que se mantêm até mesmo na autopublicação. Cada gênero e tipo de texto costumam ter uma certa quantidade de palavras e é provável que os leitores também tenham a paciência adaptada a esses padrões. Se você escrever um romance Young Adult longo demais, talvez seu leitor se desanime no meio do caminho.
Além das razões mais objetivas, é possível que seu livro simplesmente não precise de tudo isso.
Ao menos que você seja uma exceção à regra, é muito comum que autores não pensem demais no que estão escrevendo ou que mudem de ideia no meio do caminho, de modo que ao voltar ao texto percebem que há muito que pode ser reduzido ou eliminado por completo.
O primeiro rascunho tende a ser uma bagunça. Mesmo que você tenha planejado o enredo com cuidado e tenha prestado atenção nas palavras enquanto as escrevia, ainda é possível que fique uma bagunça. E tudo bem.
Você está aqui para editar e melhorar tudo mesmo. Se você escreveu palavras demais, ótimo. É só cortá-las. Não vai fazer falta e não vai ter sido um desperdício do seu tempo, porque foi o seu trabalho escrevendo o rascunho que permitiu que você chegasse ao ponto que está agora. Apenas acredite no processo criativo. Sério!
Problema mesmo seria desperdiçar o tempo do seu leitor com cenas arrastadas, trechos que não adicionam absolutamente nada à história e frases construídas de modo redundante.
Isso não significa que nenhum livro possa ser comprido, nem que os leitores perderam completamente a paciência para textos longos. Até hoje em dia, você encontra leitores devorando histórias em cinco volumes em questão de dias.
O que deve ser avaliado é:
- O contexto para o qual você está escrevendo esse livro – se existe ou não uma quantidade de palavras pré-definida; se existem certos padrões de mercado aos quais você deve considerar.
- A necessidade de cada trecho que você escreveu para a sua história – se todas as cenas, todas as parcelas do enredo, todas as personagens são de fato necessárias para a história.
Mas como reduzir a quantidade de palavras para entrar no limite exigido? E como avaliar o que é ou não necessário se você não está seguindo diretrizes sólidas? Paciência. É exatamente isso que viemos explicar.
Como reduzir a contagem de palavras
Okay. Você já sabe que seu texto está mais longo do que o ideal. Agora vamos ensinar como fazer a “matemática” da contagem de palavras.
Assim como recomendamos estabelecer metas de quantas palavras escrever por dia para desenvolver uma rotina de escrita, também é interessante estabelecer metas numéricas na hora de planejar a revisão do seu livro.
No artigo Dicas para completar um desafio de escrita em 30 dias, sugerimos estabelecer uma meta do tamanho total do livro. Se na hora da criação você pensa em quantas palavras quer adicionar, aqui vamos pensar em quantas palavras você quer eliminar.
Portanto, o primeiro passo é ver quantas palavras seu rascunho tem no momento. Anote este número.
Em seguida, deve identificar em quantos atos se divide o seu arco narrativo. Dê uma olhada no nosso artigo Inspiração: modelos de estrutura para enredos para entender melhor como! Para exemplificar, vamos usar a estrutura de enredo em três atos.
É normal que o segundo ato contenha uma parcela maior do enredo principal. Neste caso, está tudo bem se você separá-lo em dois para fazer essa conta.
Atenção! Conter uma parcela maior do enredo principal não necessariamente significa conter uma quantidade maior de palavras. Palavras podem vir em excesso. Já o enredo principal tende a ser relevante para a história e não pode ser eliminado com a mesma facilidade.
Assim, você terá seu texto dividido em quatro partes:
- primeiro ato;
- primeira metade do segundo ato;
- segunda metade do segundo ato;
- terceiro ato.
Em tese, isso significa que cada parte deve compor cerca de 25% do texto. Agora, você deve calcular como isso se reflete de fato na contagem de palavras. Separe cada ato em um arquivo separado.
Veja a contagem de palavras para cada arquivo.
Neste exemplo, o segundo ato vale por dois. Vamos imaginar que o livro tem 100.000 palavras. Uma contagem equilibrada seria mais ou menos assim:
- primeiro ato – 25.000 palavras;
- segundo ato – 50.000 palavras;
- terceiro ato – 25.000 palavras.
É óbvio que essas são apenas estimativas. Dificilmente seu texto terá exatamente 100.000 palavras, com exatamente 25.000 palavras para cada parte. Um pouco para mais, um pouco para menos, não é problema.
O interessante da estimativa é que ela nos permite estabelecer metas e identificar onde nos enrolamos mais na hora de escrever. A essa altura, você já dividiu o livro em atos, já identificou o quanto cada ato cobre do enredo em si. Logo, qualquer discrepância muito grande na quantidade de palavras potencialmente significa um excesso.
Calcule quantas palavras você precisa eliminar em cada parte para que elas alcancem o equilíbrio.
Você pode (A) estabelecer uma meta para que todas as partes alcancem o tamanho do ato mais curto ou (B) estabelecer uma meta para a redução de todos os atos.
Vamos supor que o seu texto esteja assim:
- primeiro ato – 20.000 palavras;
- segundo ato – 65.000 palavras
- terceiro ato – 30.000 palavras.
O total são 115.000 palavras, certo?
No cálculo A, o objetivo seria que cada parte chegasse ao tamanho do capítulo mais curto, que no exemplo tem 20.000 palavras. Como o segundo ato vale por duas partes, ele deve ter 40.000 palavras.
- primeiro ato – 20.000 palavras -> meta: 20.000
20.000 – 20.000 = 0
Sua meta é eliminar 0 palavras do segundo ato.
- segundo ato – 65.000 palavras -> meta: 40.000
65.000 – 40.000 = 25.000
Sua meta é eliminar 25.000 palavras do segundo ato.
- terceiro ato – 30.000 palavras -> meta: 20.000
30.000 – 20.000 = 10.000
Sua meta é eliminar 10.000 palavras do terceiro ato.
No total, seu livro cairia de 115.000 palavras para 80.000 palavras.
No cálculo B, por sua vez, você já começa pensando em quantas palavras você quer para o seu livro. Vamos supor que você queira que chegue a 85.000. Divida por quatro. O resultado é 21.250 palavras para cada parte.
Basta então, subtrair essa quantidade de palavras do total de cada parte. Por exemplo, no terceiro ato temos 30.000 palavras, a meta é chegar a 21.250. Logo, você deve eliminar 8.750 palavras do terceiro ato.
O segundo ato vale por dois, então de 60.000 palavras queremos chegar a 42.500. A quantidade de palavras a ser eliminada é 17.500.
Mais uma vez, essas são estimativas. A ideia é você não começar o processo de edição às cegas, mas sim com objetivos nítidos, que permitem que você enxergue o seu progresso conforme chega mais próximo das suas metas. Se os resultados não forem exatos, não tem problema. A ideia é apenas chegar perto.
Para tornar o seu processo ainda mais organizado, você pode calcular quantas palavras deseja reduzir por frase.
Use a ferramenta de busca para pesquisar os pontos finais de cada arquivo. O resultado é o número aproximado de frases. Então, divida a quantidade de palavras do arquivo pela quantidade de frases. Você terá uma média do tamanho de cada frase. Compare então com a sua meta.
Para exemplificar, vamos usar os dados do cálculo A novamente. Ou seja, você tem um terceiro ato com 30.000 palavras e quer que ele chegue a 20.000, como o primeiro ato.
Vamos supor que o terceiro ato, com 30.000 palavras, tenha 1.800 frases. A média seria então de 16,7 palavras por frase (30.000/1.800 = 16,7).
O seu objetivo é chegar a 20.000 palavras, certo? Se você mantiver a mesma quantidade de frases (1.800), então a média ideal será de 11,1 palavras por frase (20.000/1.800 = 11,1).
Portanto, você deve reduzir cada frase do tamanho atual (cerca de 16,7 palavras) para o tamanho ideal (cerca de 11,1 palavras). Resultado: você deve eliminar cerca de 5,6 palavras por frase (16,7 – 11,1 = 5,6).
Se a meta por ato já era uma aproximação, esta meta aqui é mais ainda. Afinal de contas, estamos trabalhando com médias e nem toda frase sequer tem cinco palavras. Outras terão muito mais do que 17 palavras e pode ser que já estejam perfeitas como estão.
A ideia aqui é você ter objetivos palpáveis, que permitam que você olhe para cada frase e pense “ok, esta daqui com certeza tem mais do que onze palavras, vamos ver o que consigo eliminar”. E, é claro, assim como você pode perceber que algumas frases não têm excessos, pode ser que você decida eliminar frases inteiras também!
E assim, concluímos a parte logística do planejamento do processo de edição. Fique de olho nas atualizações do blog! Na continuação, Edite seu próprio livro: decidindo o que cortar na revisão – Parte 2, ensinamos a você como identificar quais trechos e palavras do seu livro merecem ser eliminados.