Todo bom nerd adora achar um easter egg quando está consumindo entretenimento. Seja em um livro, um jogo ou um filme, essas referências escondidas criam uma certa sensação de interatividade, como um presentinho secreto que o autor deixou só para quem tivesse a capacidade de encontrá-lo.
O que caracteriza o easter egg é, de fato, sua sutileza. O nome, que significa “ovo de páscoa” em inglês, alude à tradição comemorativa de esconder ovos coloridos para as crianças acharem. No mundo da ficção, é isso que os diferencia de uma simples referência, que tende a ser mais “na cara” e fácil de identificar.
É interessante que o easter egg não atrapalhe o ritmo da narrativa. Para quem não consegue sacar a referência, ela deve passar despercebida, como se nem estivesse ali. Para quem a reconhece, no entanto, é uma alegria, como se houvesse um código secreto compartilhado entre leitor e escritor.
O perigo está justamente em não alcançar essa desejada sutileza e acabar entupindo a obra de referências intrusivas, que deixam alguns leitores perdidos e outros apenas cansados. Como com tudo nessa vida, é preciso tomar cuidado para não errar na mão.
O que exatamente pode ser considerado um easter egg? Quando será a hora certa de usar um easter egg na escrita? Essas são algumas dúvidas que vamos responder nas dicas de autopublicação de hoje!
O que são easter eggs?
Um easter egg é algum tipo de mensagem ou referência escondida em uma obra de ficção. Essa referência pode ser metatextual, mencionando um elemento do próprio texto onde ela se encontra, ou externa, podendo trazer referências literárias, históricas ou da cultura pop.
É também possível que o easter egg seja intensamente específico, com piadas internas e referências que apenas os conhecidos do autor o entenderiam.
Por exemplo, em Alice Através do Espelho de Lewis Carroll, há um poema no qual as letras iniciais de cada verso formam o nome “Alice Pleasance Liddel”, menina em quem Carroll se inspirou para criar a personagem.

Com isso, podemos observar não apenas a especificidade, mas também a engenhosidade de muitos easter eggs, por vezes tão escondidos quanto em um caça-palavras.
Enquanto alguns easter eggs são aleatórios, como um brinde que o autor quis deixar ali por gosto pessoal, outros podem conter uma informação de interesse. No caso de Alice, o easter egg confirma a teoria de que a personagem foi inspirada em uma pessoa real.
Essas informações podem ter relevância dentro do próprio universo narrativo também, não só no que diz respeito à vida pessoal do autor. Existem easter eggs que aprofundam a caracterização de uma personagem, que oferecem dicas sobre o seu passado, seus relacionamentos, sua identidade.
E há também autores que vão um pouco mais longe e mencionam personagens de outros livros que escreveram ou deixam pistas sobre o próximo livro que publicarão.

É interessante observar que easter eggs não precisam estar somente nas palavras de um livro. Você também pode incluir um easter egg na capa ou em ilustrações presentes no livro.
Como incluir easter eggs e referências em um livro? E quando não incluir?
Se para leitores nerds é divertido encontrar easter eggs, para autores nerds pode ser muito divertido espalhá-los pela sua obra. O problema é que nem sempre essas referências caem bem.
Antes de publicar livro cheio de easter eggs, é de bom tom que você pense no quanto cada referência de fato se encaixa ali. E, nesse caso, “se encaixar” tem um significado vasto.
O easter egg nem sempre precisa fazer total sentido com a obra. É possível que ele seja totalmente aleatório e tudo bem. Mas, neste caso, quanto mais bem escondido, melhor. De preferência que seja quase imperceptível. Caso contrário, vai servir para interromper a imersão do leitor sem adicionar nada relevante à narrativa.
Por esse lado, o “encaixe” se trata de conseguir alocar o easter egg tão bem na obra que, apesar da sua falta de coerência com o conteúdo narrativo, ele não atrapalha em nada o ritmo da leitura. Uma camuflagem impecável.
O outro aspecto do “encaixe” se trata justamente da coerência e relevância narrativa. Um easter egg que faça sentido com a obra não precisa ser tão bem escondido. Ele pode até ser um pouco descarado, na verdade.
O que o impede de atrapalhar a imersão da leitura é, justamente, sua relevância. Para o leitor que o compreende, a narrativa se torna um pouco mais interessante, quiçá mais completa. Contudo, ainda é importante que exista sutileza o bastante para que o leitor que fique de fora não se sinta perdido.
Como fazer isso? Bem, uma forma é mencionar aquilo ao qual você deseja fazer uma referência, mas de modo casual. Em It: A Coisa, Stephen King, um dos protagonistas têm um vizinho chamado Paul Sheldon. Nada demais, certo? Só que Paul Sheldon é o protagonista de Misery: Louca Obsessão, livro que King publicou no seguinte.
Essa simples menção não é nada incomum. Não é estranho que uma narrativa mencione certos detalhes da vida cotidiana de uma personagem, como quem são seus vizinhos ou amigos. Você pode também descrever os pôsteres, livros e CDs que se encontram em seu quarto, dar um nome ao seu bicho de estimação.
A princípio, nada disso precisa ser um easter egg e nada disso atrapalharia a experiência de leitura. A referência surge quando há uma camada de significado além, que apenas leitores bem informados perceberiam.
Por exemplo, se o vizinho for personagem de outro livro. Se o pôster que você descreveu for bastante semelhante com uma imagem famosa e icônica. Se o nome do bicho de estimação fizer referência a uma pessoa real.
A polêmica das referências a cultura pop na narrativa
Entramos então em outra questão: quando essas referências se tornam um peso na narrativa. Já explicamos que um easter egg pode ser aleatório, desde que passe despercebido, ou pode contribuir para a narrativa. O problema é que mesmo quando o easter egg contribui para a narrativa, ainda existe o risco de ser excessivo.
Tudo gira em torno de quantos leitores você pode excluir cada vez que deixa no seu livro uma referência que não será compreendida por todos. E a verdade é que nunca se deve subestimar quantas pessoas ficarão de fora.
Mesmo aquilo que você considera de conhecimento geral pode não ser tão geral assim. Por exemplo, você já parou para pensar se as referências que você faz hoje ainda serão conhecidas daqui a dez anos? E em outros países, será que essas referências também farão sentido?
Nada disso precisa ser um problema, desde que o seu livro atenda às suas próprias expectativas. No fim do dia, o “certo” ou o “errado” são uma questão de qual era a intenção do autor quando escreveu seu livro.
Cada referência situa uma obra de ficção em um determinado lugar, época e nicho. Se você quer que o seu livro seja uma obra sobre São Paulo, 2021, de nerds para nerds. Perfeito. Faça suas referências.
Se você prefere que o seu livro faça sentido para qualquer um, em qualquer lugar, em qualquer época… Então, é melhor dar uma segurada.
Para muitos autores, o segredo da “atemporalidade” é descrever mais do que citar (por exemplo, sua personagem pode assistir uma série de TV sem que você diga que a série é F.R.I.E.N.D.S.) e citar somente quando a própria referência já sobreviveu ao teste do tempo (como Shakespeare, Platão e, bem, Os Beatles).
E aí, autor? Você já escondeu um easter egg para seus leitores?