Fazer humor não é fácil, e ensinar como fazer humor menos ainda. Muitos acreditam que a “veia humorística” é um talento inato, que você tem ou não. É possível afirmar ainda que há um certo tabu em torno da comédia. Diz-se que é difícil fazê-la, mas muitas vezes não a enxergamos como uma das mais elevadas formas criativas.
A comédia talvez não seja o gênero mais aspirado pelos escritores iniciantes, mas, se você considerar diferentes tipos de entretenimento, é um dos mais consumidos pelo público, talvez de forma quase atemporal.
Todo mundo gosta de humor. Gostamos de dar risada do que vemos na internet, de procurar as tirinhas satíricas do jornal, de assistir a mesma sitcom incontáveis vezes (F.R.I.E.N.D.S. está aí de prova). Por que não gostaríamos de ler livros de comédia?
Há quem diga até que os livros não só podem, como devem ser engraçados. É como dar aula, se o professor for engraçado, as chances dos alunos prestarem atenção e aprenderem é muito maior. É claro que nem todos pensam da mesma forma, mas umas boas doses de humor podem quebrar toda a seriedade mítica em cima da não ficção e tornar o texto muito mais fluente, sem perder a informatividade.
A literatura pode se beneficiar do humor também. Ainda que o seu livro não seja uma comédia propriamente dita, cai bem para o leitor dar uma risada aqui e ali. Até mesmo as tragédias de Shakespeare tinham momentos de alívio cômico (aliás, para bom entendedor, as piadinhas de Shakespeare eram parte fundamental de sua obra).
Por isso, se você parar para pensar, a comédia está por toda parte, de certa forma. Inclusive nas ironias da vida (e esta já é uma prévia das dicas para escrever um livro de comédia). E se está por toda parte, está em você também. Basta você descobrir onde e treinar seu “músculo cômico”, por assim dizer.
Agora, vamos às dicas de autopublicação para escrever um livro de comédia:
1. Procure humor no mundo
A vida é engraçada, e entrar em sintonia com essa comédia cotidiana é essencial para se tornar um bom humorista. Fique atento aos absurdos da vida, seja na política, nas notícias, na sua família ou até nas coisas que você vê a caminho do ponto de ônibus. Preste atenção no que faz você e os outros rirem.
Anote tudo o que achar engraçado, especialmente se for algo escrito. A estrutura de uma piada é importante. O som das palavras também.
E não tenha medo de fazer piadas. Faça mesmo. Não é para fazer na frente do espelho (mas se quiser, pode), é para contar para os outros mesmo. Quem sabe se aventurar em comédia stand-up? Mas, no mínimo, conte piadas para as pessoas e veja como reagem. Pratique o humor diariamente.
2. Use um dicionário de sinônimos
Pode parecer esquisito no começo, mas o dicionário de sinônimos é um grande amigo dos comediantes. Sabe aquele conselho para você não escrever de maneira enfeitada demais? Você não precisa segui-lo com afinco na comédia. Exatamente o que torna a escrita enfeitada tão errada é o que a torna engraçada.
O fato é que algumas palavras são mais engraçadas do que as outras. Não é infantilidade, é apenas um fato. Fale gororoba e bodega em voz alta. Viu, é engraçado.
Contudo, é preciso escolher seus “enfeites” conscientemente. Se você exagerar nas palavras engraçadas, seu texto ficará forçado, como em qualquer outro gênero.
3. Conheça seu gênero
A comédia não é um gênero literário propriamente dito. Ela é o nome que se dá quando usamos do humor em uma obra. Livros de comédia podem ser de romance, ficção científica, fantasia e até não ficção. São incontáveis as possibilidades. E cada gênero tem um humor um pouquinho diferente.
A comédia muitas vezes é situacional. A oportunidade para fazer uma piada surge e o comediante a agarra. Às vezes, será uma “piada interna”. Isto é, uma piada que apenas um certo grupo de pessoas consegue entender.
Diferentes nichos têm diferentes piadas internas. Se um autor de ficção histórica fizesse uma piada sobre Star Wars, é possível que seus leitores não entendessem… e seria estranho a beça.
Por isso, entenda bem qual o gênero do seu livro e o que faz o seu público-alvo rir. Pense em quais assuntos eles dominam, quais assuntos você pode abordar seguramente em suas piadas. E, é claro, anote as boas piadas que encontrar no caminho.
4. Leia mais livros de comédia
Seja ou não do gênero específico que você pretende escrever, é uma boa ideia você começar a se aprofundar nas leituras de comédia. Existem autores excelentes que fazem comédia. No Reino Unido, havia o Sir Terry Pratchett. No Brasil, João Ubaldo Ribeiro (que não tem título de Sir, mas entrou para a Academia Brasileira de Letras, ok?).
Seus livros são recheados de delicioso humor, com piadas que transbordam na simples maneira de se escrever. Um jeito único de falar da maneira mais absurda possível do que poderia ser comum.
5. Use a “regra de três”
As piadas também têm uma estrutura narrativa bem definida. Em geral, elas se organizam em três elementos. Os dois primeiros servem para estabelecer um cenário. O terceiro é a “punchline”, o remate que subverte as expectativas do público e causa a risada.
As piadas de “O que é, o que é” seguem esse modelo, por exemplo. Primeiro, vem a pergunta. Segundo, uma resposta típica. Terceiro, a conclusão inesperada.
6. Ei, você (você mesmo)
Converse com seu leitor, conte segredos (faça comentários). Na comédia, o narrador pode ser transformar em comentarista utilizando parênteses ou reticências. Você pode fazer piadas metanarrativas, questionando o conteúdo do seu próprio livro, fazer perguntas retóricas, enfim, mil possibilidades.
Parte da graça deste recurso é a surpresa do leitor, que não espera os comentários, e também a criação de uma certa conexão entre o autor/narrador e o público. Afinal, é quase como se você estivesse contando um segredo.
7. Subverta expectativas
O humor, no fim das contas, é quase sempre relacionado a uma subversão de expectativas. Você faz o público enxergar as coisas de forma diferente, e essa confusão causa o riso. Por isso, use e abuse da subversão.
A regra dos três se baseia exatamente nesse conceito. Os dois primeiros elementos existem para criar uma falsa sensação de familiaridade e lógica no leitor. Você pode adaptar para outras formas de texto e, por exemplo, escrever um longo e detalhado parágrafo, onde tudo parece normal, para quebrar as expectativas do leitor no finalzinho.
Você também pode escrever um parágrafo inteiramente absurdo. Ou descrever algo que seria totalmente cotidiano, mas de maneira que pareça absurda, o que causaria uma confusão ainda maior. São muitas as possibilidades. Explore-as.
8. Teste suas piadas
Não é uma boa ideia você publicar livro de comédia sem antes testar suas piadas. Em geral, é aconselhável pedir para uma pessoa imparcial ler seu livro e dar uma opinião antes de você publicá-lo, mas no caso da comédia o buraco é mais embaixo.
Mais do que apenas pedir para alguém ler seu livro, recomendamos que você faça piadas por aí enquanto o escreve. Publique seu livro sem medo, mas não deixe para fazer piadas apenas no papel.
Faça piadas conversando com seus amigos. Faça piadas online. Faça piadas com outros escritores. Quem sabe até você devesse experimentar comédia stand-up? Não só você desenvolverá melhor o seu humor, como você testará o que é engraçado ou não.
A comédia é interpessoal. Não basta fazer uma piada para que ela seja, de fato, uma piada. Alguém tem que rir, mesmo que a pessoa diga logo em seguida que a piada foi péssima. Se riu porque era ruim, riu de qualquer forma.
Então, experimente. E se ninguém (ou quase ninguém) rir, é sinal de que está ruim mesmo (e não do jeito bom). Pode ir fazendo de novo.
E aí, autor? Está pronto para escrever um livro de comédia?