Ah, o amor está no ar. Suas personagens estão apaixonadas, elas se tornaram um casal… e agora é a grande hora. Vem o beijo! E… você não sabe como escrever. Tudo o que você coloca no papel parece sair esquisito, forçado, sem química ou clichê demais. Não é o amor que você sempre sonhou para seus protagonistas. O que fazer?
Escrever cenas românticas nem sempre é tão simples, apesar das histórias de amor serem um dos gêneros mais populares da ficção, o qual muitas autoras treinam desde cedo no mundo das fanfics antes mesmo de publicar ebook pela primeira vez.
Especialmente se você quiser dar aquela aprimorada na sua escrita e escrever um texto que ao mesmo tempo que faça suas leitoras (e leitores) suspirarem, mas que também tenha certa maturidade e verossimilhança. Isto é, um amor convincente, que parece real para quem lê por mais mágico que seja.
Quando falamos sobre escrever cenas românticas para publicar livro, consideramos todo o espectro do romance. Desde as primeiras faíscas, até a tensão sexual… talvez até o primeiro beijo, quem sabe seu livro tenha também uma cena de amor? As cenas românticas podem até mostrar o desenvolvimento de uma relação através dos anos. Um casal que está junto há 40 anos ainda pode ter fogo e poesia.
As cenas românticas podem atravessar a magia e também a domesticidade. Quer uma música que represente mais a intensidade do amor no cotidiano do que “Eu te amo” de Chico Buarque?
Com os versos “Como, se na desordem do armário embutido / Meu paletó enlaça o teu vestido / E o meu sapato inda pisa no teu”, Chico usa imagens simples do dia a dia para descrever um amor em que uma pessoa se perde na outra. O que poderia ser um símbolo da rotina entediante do casamento torna-se a representação da paixão visceral.
Muito bem, se você já leu os nossos artigos sobre Como escrever uma história de amor inesquecível e Como não escrever triângulos amorosos, já sabe a importância de desenvolver cada personagem e a dinâmica que elas têm entre si. Nas dicas de autopublicação de hoje, não vamos bater de novo nessa mesma tecla.
Agora é hora de abordar a construção dessas cenas em que despertamos os sentidos mais íntimos do leitor conforme imergimos nas nossas personagens.
1. Explore todos os sentidos
Não somente quando as personagens partem para os “finalmentes”. Explorar os sentidos é sempre um fator fundamental para desenvolver uma narrativa envolvente.
Como sua personagem se sentiu quando conheceu a outra? Descreva-a por dentro e por fora. Seus pensamentos. Por onde seus olhos percorreram. Qual cheiro ela sentiu quando se aproximou do seu interesse amoroso pela primeira vez? Tudo isso é relevante.
As associações externas também são relevantes. Como estava o tempo em cada cena crucial, como o primeiro encontro, a primeira faísca, o primeiro desabafo, a primeira briga, o primeiro beijo? Eram dias quentes e abafados? Ou frescos e deliciosos? Havia chuva e trovões? Descreva cada arrepio.
O narrador dizer com todas as letras que a personagem protagonista está apaixonada não é nada ruim, mas lembre-se de que essa afirmação não deve vir sozinha. De preferência, que ela venha com impacto, como uma confirmação de tudo que já havia sido indicado antes através de ações e reações.
2. Construa a relação passo a passo
Mesmo um amor que nasce rapidamente, como um raio que caiu na cabeça do protagonista e o partiu ao meio, também tem seu desenvolvimento. Pode ser o clique de conhecer uma pessoa e imediatamente sentir que tem algo de especial nela, mesmo sem saber dizer o quê.
A partir desse primeiro encontro fatídico, o que vem a seguir? Como se puxa o primeiro assunto? Como é a primeira conversa? Pode ser uma conversa gostosa, que flui naturalmente e termina na cama logo de primeira. Ou pode ser algo um pouco mais tímido, mais lento, porém promissor, que faz a personagem voltar para casa com um sorriso no rosto.
Obviamente, você também pode seguir por um caminho totalmente diferente. Sua personagem pode detestar a outra a princípio. Ou pode nem notar que ela existe. Como essa relação se desenvolverá de um ponto a outro? Muitas vezes, essa será a parte mais deliciosa da história, na qual a tensão se instaura e o leitor vive em antecipação pelo que virá a seguir.
Uma das principais características de um romance forçado, que não convence os leitores, é quando a transição entre o ponto A e o ponto Z não ocorre de forma natural. Seja rápido, seja devagar, é preciso percorrer o alfabeto inteiro para que esse romance faça sentido.
Mostre ao leitor esse desenvolvimento, não o guarde na sua cabeça. Caso você queira jogar uma reviravolta e revelar só no fim que duas personagens tinham um relacionamento, ainda assim é importante deixar pequenas dicas ao longo da história. Um plot-twist nunca deve vir completamente do nada.
3. As faíscas antes do grande momento
Quando as faíscas voam, a hora que tudo acontece. Nesse quesito, os clássicos filmes da Disney quase nunca pecam. Em A Pequena Sereia, na cena da música Beije a Moça, observamos a construção completa de uma cena romântica propícia para o grande beijo acontecer: um passeio de barco noturno, só ele e ela, uma lagoa linda com uma música romântica no ar.
É claro, ainda não era a hora e os protagonistas são sabotados pelos capangas da vilã, que viram o barquinho, mas a construção da cena está lá. O que provavelmente indicava que aquele ainda não era o momento certo é que tinham várias personagens coadjuvantes presentes, encorajando o casal, tentando forçar a situação.
Em geral, é muito mais interessante quando as faíscas vem por mérito próprio das personagens envolvidas na relação. Sim, terceiros podem dar uma mãozinha, uma dica, um sermão, mas a iniciativa tem que vir de quem realmente interessa.
E o que motiva suas personagens a finalmente ficarem juntas nesse momento? Qual é a diferença entre esse dia e qualquer outro? Cada história tem uma resposta diferente, mas a existência desse clique que muda o jogo é essencial, e a tendência é que ele esteja intimamente relacionado aos eventos mais importantes do seu enredo.
Pode ser porque essas personagens acabaram de passar por uma situação muito difícil juntas. Ou o contrário, porque compartilharam um momento muito bom. Pode ser porque uma das personagens ficou com ciúmes e explodiu. Pode ser por causa de um simples toque, que fez uma das personagens sentir algo diferente que desencadeou tudo.
4. Aconteceu, e agora?
Certo, suas personagens deram o primeiro passo de verdade a caminho de uma relação, seja esse passo um beijo ou uma declaração. Como descrever o que vem a seguir?
Antes de mais nada, lembre-se de explorar os sentidos. Sua personagem sentiu um arrepio? Um frio na barriga? Uma ardência na pele? Indo mais longe, você também pode escrever as sensações de forma metafórica, como o famoso beijo que faz você flutuar.
Mais uma vez, as letras de Chico Buarque são um ótimo exemplo. Seguimos com “Eu te amo”:
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Sabe-se que, de forma literal, uma pessoa não confunde as pernas com a outra, que o seu sangue não simplesmente erra o caminho e flui para a veia de outra pessoa sem querer. Contudo, existe uma imagem e um sentimento aí, transmitidos com nitidez. Proximidade física e intimidade emocional.
As falas e pensamentos também contam. O que a personagem pensa e o que a personagem diz nem sempre serão iguais. Neste momento, ela já está completamente preparada para ser sincera e dizer tudo o que sente? Ela já entende seus sentimentos por completo ou está apenas se entregando fisicamente?
Aqui, o tipo de narrador que você escolheu para o seu texto fará muita diferença. Você pode optar por uma abordagem mais “silenciosa”, na qual os pensamentos da personagem não estão acessíveis ao leitor, ou pode seguir um fluxo de consciência, compartilhando tudo o que está passando na mente dela, seja certeza ou caos.
Tente ser natural com os diálogos. Nessas horas, é comum não falar muito. Afinal, as bocas das personagens podem estar ocupadas umas com as outras. Trocas de palavras mais simples caem bem, como uma demonstração de carinho ou insegurança, talvez até uma piada dependendo do casal.
O que não encaixa é uma personagem tentar declamar um monólogo ao mesmo tempo que beija ou faz amor com alguém. É importante saber separar as ocasiões. Você pode deixar o monólogo para antes ou depois da hora H.
Para saber mais dicas neste tema, dê uma olhada no artigo Como escrever uma cena de amor?.
5. E depois?
Existem romances que acabam assim que os mocinhos ficam juntos. Muito se diz sobre o “felizes para sempre” que só existe porque não chegamos a ver o “para sempre”. Que é esse fim que permite que o casal permaneça assim, perfeito.
Contudo, há outras histórias que permitem sim que o leitor acompanhe o depois. E ambas são maravilhosas ao seu próprio modo, desde que as cenas românticas continuem sendo interessantes.
Existem, sim, casais que só funcionam na teoria. Que assim que ficam juntos, param de fazer sentido. Seja porque a química só existia na fase da tensão sexual, seja porque os indivíduos são incompatíveis demais.
Por outro lado, existem também casais que são uma delícia de se acompanhar. Que encontram problemas, mas sabem contorná-los com a mais pura cumplicidade. Casais que sabem ser divertidos juntos, que mantêm seu lado sexy e talvez até certa tensão sexual mesmo depois de formarem uma relação estável.
Os exemplos de casais assim são um pouco mais escassos, o que faz com que seja necessário buscar ativamente exemplos assim na ficção e, quem sabe, inspiração na vida real.
Um casal fictício interessantíssimo é o par de protagonistas do filme Amantes Eternos, dois vampiros que estão juntos há muito tempo, tentando encontrar seu lugar no mundo na contemporaneidade.
No começo do filme, cada um mora em um país diferente. Contudo, ainda são um casal e ainda são extremamente apaixonados. O que podemos observar é uma visão diferente a respeito da passagem do tempo e da liberdade individual.
Como imortais, o tempo que passam longe um do outro não parece tão longo quanto para nós, humanos. E ambos têm maturidade e respeito suficiente um pelo outro para não impor limites. Cada um é dono de si e tem hobbies próprios.
Ainda assim, nas cenas que estão juntos, você pode observar os interesses mútuos que compartilham, como sentem admiração um pelo outro, como existe devoção. A maneira que se olham, que se tocam, que dançam juntos, a maneira como conversam. Tudo isso demonstra seu profundo amor.
Para livros em série, ou que têm muitas personagens, cujo foco não é o romance em si, é recomendável que as personagens não percam sua individualidade por causa do seu interesse amoroso. Elas ainda podem ter outras amizades, seus próprios hobbies, motivações e até um arco próprio.
A dica para escrever o “depois” sem perder a mão é simples. Basta que suas personagens continuem sendo interessantes como indivíduos, não se isolem do mundo, nem se percam do enredo e dos seus objetivos originais só por causa de um romance.
E quer saber qual o verdadeiro segredo para escrever um romance que emociona a todos? Quando o encontro entre duas personagens é muito mais do que só uma atração e representa também uma mudança fundamental em suas vidas ao evoluírem uma com a outra.
Eu me tornei cético quanto à regra implícita de que só porque um garoto e uma garota aparecem na mesma história, deve acontecer um romance. Eu prefiro retratar um relacionamento um pouco diferente, no qual ambos inspiram o outro a viver. Se eu for capaz, quem sabe consiga chegar mais perto de retratar uma expressão verdadeira do amor.
– Hayao Miyazaki
E aí, autor? Já está pronto para escrever cenas românticas apaixonantes?
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Ótimas dicas!