Você é do tipo de autor que acredita que regras existem por uma razão e devem ser respeitadas ou tem um espírito mais livre, quiçá rebelde, que prefere desafiar os paradigmas?
Se você acompanha o blog da Bibliomundi, deve ter visto a palavra “dica” aparecer com mais frequência do que a palavra “regra”. Nas nossas dicas de autopublicação, tentamos mostrar mais possibilidades para escritores do que apresentar verdades absolutas. Afinal, acreditamos na liberdade criativa para todos na hora de publicar ebook.
De qualquer forma, sempre publicamos artigos ensinando “como escrever” algum tipo de cena, algum tipo de história, algum tipo de livro. E, naturalmente, vez ou outra dizemos também o que não escrever.
Ao ensinar como fazer escrita criativa, é inevitável encontrar algumas diretrizes que tentam separar o bom do ruim, o recomendável do que deve ser evitado. Encontrar a linha tênue que separa a instrução da regra pode ser difícil.
Na medida do possível, tentamos sempre abrir um leque de opções para autores iniciantes, a fim de auxiliar vocês a se encontrarem dentro de um mundo de técnicas de escrita relacionadas ao processo criativo em si e um mundo de possibilidades em termos de estilos narrativos.
Quanto menos separamos o “certo” do “errado” onde é possível falar de “preferências pessoais”, melhor.
Contudo, as “regras” ainda estão aí. O prescritivismo sempre volta. E hoje é dia de entender porquê.
Se você publicar livro sem se preocupar minimamente com o que os outros entendem como “bom” ou “ruim”, a verdade é que você também não pensa no público que recepcionará sua história. Tudo bem, isso não é um problema, desde que você também aceite caso seu livro não tenha uma recepção positiva. Afinal, livros existem para serem lidos e todos têm direito a uma opinião.
Além do seu público-alvo, que pode ser feito de leitores sem uma formação específica, existem também pessoas especializadas, que estudaram e trabalharam para ter um entendimento apurado de literatura. Essas pessoas também podem fazer críticas sobre seu livro que, muitas vezes, você não será capaz de rebater. Essas críticas importam para o público. Elas afetam o seu legado e o seu bolso também.
Nenhum livro existe em um vácuo. As histórias se comunicam entre si, utilizam um sistema de escrita e um formato de publicação pré-definidos, tem a função de ser consumida por um público e podem ser analisadas por profissionais da literatura. E é por toda essa rede que conecta as histórias em uma tradição literária milenar e um mercado que existem também as “regras”.
O nosso entendimento em relação às regras, no entanto, não é rígido, não é absoluto. Trata-se muito mais de compreender a consequência de cada decisão. Cada regra quebrada terá um determinado impacto no seu texto. Ao tomar essa decisão conscientemente, você estará preparado para lidar com as consequências.
Muitas vezes em blogs de escrita criativa, você encontrará dicas voltadas para a produção de livros vendáveis. Em outras palavras, muitos blogs ensinam você como escrever de forma que agrade o gosto popular, seguindo as tendências da atualidade.
Contudo, se você olhar para os clássicos da literatura, observará que muitos deles fogem completamente a essa fórmula. Se o livro perfeito fosse definido pelo gosto do leitor casual da contemporaneidade, sem descrições muito compridas, nem parágrafos imensos e com foco em cenas de ação e reação… Então, os clássicos de Victor Hugo, James Joyce, Virginia Woolf e até mesmo o popular J.R.R. Tolkien seriam todos péssimos.
A questão é que não são péssimos. São apenas diferentes.
O que não pode ser negado é que todos esses clássicos foram escritos com maestria, o resultado do trabalho árduo de escritores que sabiam muito bem o que estavam fazendo. Talvez não sejam bem recebidos por todos, mas o seu legado se mantém firme e forte.
Se você quiser escrever como Tolkien e Victor Hugo, com descrições minuciosas, precisa ter em mente que muitos leitores acharão o seu livro entediante. Se seguir o fluxo de consciência como Clarice Lispector e Virginia Woolf, alguns leitores ficarão perdidos no meio do texto e, talvez, reclamem que querem mais ação e menos introspecção.
O mais importante nisso tudo, no entanto, não é se um ou outro leitor gostará do seu texto ou não. Afinal, nem Jesus agradou a todos.
A questão é se você saberá administrar essa técnica. Se você entenderá a fundo as escolhas que tomou. Se, ao seguir o caminho da introspecção, você não se esquecerá de incluir uma ação fundamental para a compreensão da história. Se, ao se aventurar nos neologismos como James Joyce e Guimarães Rosa, você não perderá a conexão com as raízes linguísticas da realidade para tornar o seu texto compreensível e verdadeiramente sagaz.
Em outras palavras, se você tenta dar um passo mais comprido que a perna e acha que pode simplesmente escrever uma obra prima sem entender as convenções literárias, talvez o seu texto não fique interessante. Talvez ele fique apenas confuso e chato.
As “regras” existem sim por um motivo. Elas merecem sim o devido respeito. Isso não significa que você deva se anular em prol das regras. Apenas que você entenda porque elas existem, qual a função que elas cumprem, qual o impacto que cada regra tem no resultado final de um texto.
Conheça as regras como um profissional. Quebre-as como um artista.
– Pablo Picasso