Criação literária fora do eixo

Convidamos Valéria Barbosa, poeta, escritora, comunicadora comunitária, moradora da Cidade de Deus, para criar um ensaio em prosa e um poema sobre sua experiência em ser autora fora do eixo tradicional do mercado editorial.   

“De repente estava num silêncio doído, manchas roxas pelo corpo, presa por  paredes de madeira do barraco que mais pareciam uma muralha a sufocar minha voz, era menina,  pais analfabetos, aprendi a ler com uma vizinha louca, e aí fui adquirindo voz, no meio do caos a luz.

Desde então, o desejo de relatar o cotidiano, o gritar com letras foi como boia pra resistir. Mergulhando em minhas dores, pude escutar as dores dos meus iguais, observar as marcas em outros corpos, registrar a nossa dor, talentos e alegrias.

Fui juntando os escritos, sem técnica, corretivos, apenas gritos doídos de um coletivo,  mas neste contexto também pude desenvolver o olhar para a beleza, aguçar os sentidos para perceber e admirar pessoas, trocas, afetos, compromisso com o outro, partilha, força e união. Descobri que as palavras não são soltas, são pontos de ligação de crescimento, são escudos generosos de proteção social.

Quando conheci um jornalista Murilo Brasil, apresentado por uma amiga de trabalho que me viu escrevendo com um lápis num papel de pão dentro do trabalho, ele me deu um título de minha poetisa e fez nascer o meus primeiros 100 exemplares de um livro, “Guerreira”, e estes vendi e dei o arrecadado para passagens das estagiárias do trabalho.

É aí descobri como socializar recursos, e iniciei outra fase, criar projetos, fazer trabalhos fundamentais acontecerem. Fiz vários e vencedores, todos falando do povo da favela. Estou com um novo livro, “200 Gritos por Liberdade” e para este ganhei o merecido prêmio num edital a nível nacional, pelo Ministério da Cultura.

É, afinal, sou poeta.”

 

Viva a voz.

Numa tristeza infinita de um Rio desequilibrado lágrimas viram recados,  bocas gritam Justiça

É preciso vigiar!

 

Compaixão é palavra bem dita que nos envolve nas causas

que são de todos, mesmo se vendados.

Os que se julgam intocáveis, com poder acumulado em seu próprio umbigo

no futuro serão cobrados.

Quem não se indigna  com a execução é voz da própria opressão.

 

Há de pensar nesta dor que uns tem mais valor que outros,

Porém quando se grita um nome se grita o nome do povo.

Uns nomes por muito fazer  mexeram na ferida, por cuidarem da dor alheia lutaram por você

tem maior eco na Nação. Seu toque é a compaixão.

 

Quando se grita um nome, grita a população.

O socorro é coletivo, o pedido é de justiça.

Em todo os lugares do país vidas caem no chão

Seja no Cabula 12,  no Rio cada dia um horror.

Um gemido de um nome que não chega na audição por problemas de caráter se cala na omissão.

 

Tem eco mundial gritando um nome, mesmo para os surdos de plantão.

Quando se grita um nome, grita pela segurança da população.

Marielle Franco VIVE!

Poema de Valéria Barbosa

Valéria Barbosa é mãe de três  filhos, 47 anos de trabalho na Cidade de Deus. Poeta, escritora,  compositora, comunicadora popular. Autora dos livros “Os Grandes Mestres Guardiões da Cidade de Deus – Fazedores de Destino” e “Coração Preso – Na cômoda da Incomodada Vida”. Ganhadora do prêmio de incentivo à literatura pelo MINC, 2018 com livro  “200 Gritos por Liberdade” e o CD “Oceano em mim”, ambos em fase de produção. Participação no Jornal CDD VIVE e participante do World Pulse.

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