Conflito interno: qual o seu papel na literatura

Não existe uma história sem conflito. Ou melhor, existir até existe, mas se não houver conflito, há no mínimo uma reviravolta. Até mesmo a mais calma das histórias precisa de algo ali que cause um impacto, que mova o enredo adiante. O que você precisa entender antes de escrever e publicar livro é que esse conflito nem sempre vem de fora…

Muitas histórias envolvem conflitos mirabolantes: uma espécie alienígena querendo invadir a Terra, famílias rivais que não aceitam o namoro entre seus descendentes, a luta contra um regime ditatorial. O que ocorre é que todos esses conflitos são definidos por fatores externos.

E quando o conflito vem de dentro?

A literatura ocidental é marcada por conflitos. Homem versus natureza, homem versus tempo, homem versus homem. Esses dois exemplos representam forças externas. O homem lutando pela sobrevivência, o homem lutando pelo seu legado, o homem lutando contra outros de sua mesma espécie.

Não se pode ignorar, contudo, a existência do conflito homem versus si próprio. E é este o tema da nossa dica de autopublicação de hoje.

O conflito interno geralmente representa um dilema enfrentado por uma personagem. A resolução desse conflito seria, então, a tomada de decisão. No entanto, o que torna essa decisão difícil para a personagem é a presença de valores, desejos ou necessidades opostas entre si.

Por exemplo, a personagem pode descobrir que a vilã é a sua mãe, que ela ama e sempre a tratou bem. O dilema seria entre agir contra sua mãe pelo bem maior ou proteger sua mãe devido a sentimentos pessoais.

O conflito interno pode ter origem em valores éticos, religiosos, sociais e legais, em sentimentos e relações pessoais, em análise lógica. Ao vivenciar um conflito interno, a personagem pode até mesmo questionar a sua percepção do que é certo e do que é errado.

Qual o valor do conflito interno?

Quando falamos em personagens que enfrentam dilemas e ficam paralisadas nesse momento de indecisão, a resposta imediata de muitos leitores é nada mais do que tédio. Há quem só enxergue valor nos conflitos óbvios, nas batalhas que derramam sangue e suor, mas não lágrimas.

O conflito interno é, contudo, um aliado fundamental do desenvolvimento de personagem e até mesmo da construção do tom narrativo. Não é a existência de um conflito externo por si só que causa impacto no leitor, mas a maneira que essa ameaça atinge a personagem.

É importante considerar que os conflitos internos e externos frequentemente andam juntos. Ao existir uma ameaça exterior, o protagonista pode entrar em dilema ao tentar definir qual será seu próximo passo.

Por exemplo, se o protagonista se apaixona por uma moça de uma família rival e seu relacionamento é proibido, isso é um conflito externo. Esse conflito pode ou não gerar um dilema.

A personagem poderia ficar dividida entre obedecer sua família e seguir seu coração. Isso seria um conflito interno. Alternativamente, caso a personagem tomasse uma decisão sem pestanejar e não se arrependesse depois, a situação se limitaria ao conflito externo.

Ambas as possibilidades são interessantes e cada uma diz algo diferente sobre a personagem.

Uma personagem que não tende a se prender em dilemas pode parecer decidida e firme por um lado, mas pode ser impulsiva e inconsequente também. Ao ignorar os fatores conflitantes, ela pode meter os pés pelas mãos.

Uma personagem que se vê frequentemente em conflitos internos tende à indecisão, podendo parecer insegura e até medrosa. Por outro lado, ela também pode ser analítica e justa, avaliando exatamente qual a melhor decisão.

A forma como você aborda cada dilema (e até mesmo a ausência de dilemas) define o tom da narrativa, a personalidade de cada personagem. Esses conflitos podem levar a uma resolução feliz ou até mesmo a um fim trágico.

Imagine a cena clássica do desarmamento de uma bomba. O protagonista precisa decidir qual fio cortar. A consequência da decisão errada seria explosão e morte. Esse é um conflito externo. É objetivo.

A dúvida entre qual fio cortar é o conflito interno. O protagonista tem vários fatores que causam tensão e dúvida. Se demorar demais para tomar uma decisão, a bomba será acionada. Se se apressar demais e tomar a decisão errada, a bomba será acionada.

Agora, imagine essa mesma cena sem o conflito interno. O protagonista simplesmente chega e corta um fio, sem dúvidas. Existem dois resultados possíveis: a bomba é acionada ou a bomba não é acionada. A tensão é cortada, a cena se desenrola rapidamente. E a emoção, existe?

Obviamente, existe também uma terceira opção, o protagonista sabe exatamente o que fazer, não tem dúvidas sobre qual fio cortar, seu único medo é não ser rápido o bastante. A tensão está na demora obrigatória. Neste caso, o autor deve descrever os processos mecânicos em detalhe, para que se sinta a passagem do tempo.

É aí que está o charme do conflito interno. A prorrogação de uma solução, a dúvida, a tensão, que nos deixa em suspensão esperando pela resolução do conflito. O clímax vem quando essa “bomba-dilema” é desarmada, o que pode levar a um alívio ou a uma explosão repentina quando tudo parecia bem.

Atente-se, contudo, que na atração do conflito interno também está o seu ponto fraco. Para que essa prorrogação do clímax valha a pena, é necessário o clímax. O que desanima muitos leitores é a espera contínua, contínua, interminável, que parece nunca ir a lugar nenhum.

Quando uma personagem vive em dilema sem nunca conseguir tomar uma decisão, o público se cansa. Por isso, é fundamental aliar os dois extremos: o dilema e a resolução.

E assim, concluímos a dica de autopublicação de hoje. E você, autor? Quais dilemas enfrenta?

3 Comentários


  1. Ser ou não ser, eis a confirmação de que existem mil possibilidades em ser ou não ser. Conflitos acontecem desde quando levantamos indeciso quanto àquela roupa, sapatos, ou aquela resposta definita para certo alguém. Quem tem as ferramentas ( muitas delas como essa matéria), ajudam a construir com mais verossimilhança a criação da personagem. Valeu a aula. Obrigado. JBspaguetti.

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  2. Esclarecedora demais a matéria, obrigado pelas dicas, estou trabalhando justamente minhas personagens no momento, com os dois tipos de situações. Conflitos internos e externos, acredito que a narrativa (a minha no caso) torna-se mais veraz.

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    1. Redação

      Que continue assim e logo possamos encontrar seu livro publicado na plataforma Bibliomundi.

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