Como se manter fiel às suas personagens? Aprenda com a Turma da Mônica

Qualquer pessoa brasileira com o mínimo de acesso à cultura pop nos últimos 60 anos sabe quem é a Turma da Mônica. Jovens, adultos, crianças e idosos, todos conhecem a turminha. O que começou como tirinhas em um jornal agora se trata de uma das maiores marcas do Brasil, que atravessa diferentes gêneros de quadrinhos e vai desde as telinhas e telonas até sua casa, sob a forma de um extrato de tomate ou macarrão instantâneo.

A Turma da Mônica está em toda parte. E, marcando o aniversário de seis décadas, lança o primeiro filme live-action de sua história. Isto é, o primeiro longa metragem da Turma com atores interpretando as personagens (as peças de teatro com atores fantasiados dos pés à cabeça não contam). É o filme Turma da Mônica: Laços, baseado na graphic novel de mesmo nome criada pelos irmãos Lu e Vitor Cafaggi.

Desde a sua concepção como graphic novel, Turma da Mônica: Laços era uma obra que fugia do padrão que conhecemos nos gibis da turminha. Para começo de conversa, nem o traço, nem o roteiro seguiam o estilo de Mauricio de Sousa, o verdadeiro pai dessas personagens. Com clima mais nostálgico e um traço que respira liberdade artística, a linha de graphic novels da MSP (Mauricio de Sousa Produções) visava atrair um público adulto.

No final das contas, é isso que mantém a franquia Turma da Mônica tão forte também. A todo sinal de que o público está mudando e de que o clássico não é mais suficiente para se manter um gigante no mercado, a MSP traz novas soluções, novos modelos, novas histórias. Tudo isso sem abandonar suas origens. Os gibis continuam sendo publicados e toda e qualquer história se mantém fiel às personagens que conhecemos e amamos.

O que o filme Turma da Mônica: Laços celebra é, justamente, o saudosismo. A era de ouro dos gibis foi entre os anos 80 e 90, pode-se dizer, e quem nasceu nessas décadas não é mais criança. Com as renovações geracionais, o desafio de Turma da Mônica: Laços foi criar um filme leve e infantil, mas com apelo afetivo para quem cresceu com a turminha e vai vê-los em carne e osso pela primeira vez.

A equipe que trabalhou nesse projeto não é coisa pouca. Interpretando as personagens adultas temos grandes nomes da teledramaturgia brasileira, como Rodrigo Santoro (o Louco), Monica Iozzi (Dona Luísa, mãe da Mônica) e Paulo Vilhena (Seu Cebola). Na direção, temos o premiadíssimo Daniel Rezende, que ganhou o Bafta e foi indicado ao Oscar de Melhor Edição pelo seu trabalho em Cidade de Deus e, na sua estreia como diretor com Bingo: O Rei das Manhãs, ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

Foi o amor que fez esse filme acontecer. Daniel Rezende se ofereceu para dirigir o filme assim que ouviu falar no projeto, simplesmente por ser um grande fã. Mais de 7.000 crianças foram testadas para o papel, num processo mais demorado do que a própria gravação do filme. Uma vez escolhidas pelo diretor, foram avaliadas pelo próprio Mauricio de Sousa. E, ainda que o filme não seja (e nem poderia ser) exatamente igual ao gibi, trouxe várias referências queridas.

Nem todos gostaram, é claro. Para muitas pessoas, o Cebolinha deveria ter apenas cinco fios de cabelo. Para outras, a Mônica deveria, de fato, ser baixinha e gorducha (apesar de ser desenhada nas mesmas proporções que o resto da turma). Houve até uma polêmica em relação ao Cascão ser branco, pois para muitos leitores ele é um menino de cabelo crespo, com traços de uma pessoa negra. Para Mauricio de Sousa, no entanto, o Cascão do filme é exatamente como imaginou.

Com tantas voltas, talvez você, escritor que lê os artigos da Bibliomundi para saber dicas de autopublicação, esteja se perguntando o que pode aprender com tudo isso. A verdadeira questão que nos intriga é: como a MSP consegue manter uma franquia consistente mesmo passando por tantos profissionais criativos diferentes e atravessando tantos gêneros e tipos de mídia. É essa a lição de hoje.

Para muitos autores, cada projeto de ficção é muito mais do que apenas publicar livro. Trata-se de um universo inteiro, que pode ser expandido para jogos, histórias em quadrinho, spin-offs, colaborações com outros autores e, se tudo der certo, uma adaptação para filme ou série. É fácil demais pecar na caracterização, mas isso não acontece na Turma da Mônica.

Pode-se dizer que o elemento que fortalece as personagens é sua simplicidade. Todos sabemos falar um pouco sobre cada personagem da turminha.

A Mônica usa vestido vermelho, é (gordinha, baixinha) dentuça, sempre anda com um coelhinho azul de pelúcia chamado Sansão e é muito temperamental.

O Cebolinha usa blusa verde, short preto e é o único dos protagonistas a usar sapatos (o que leva a várias piadas nos gibis). Ele só tem cinco fios de cabelo e troca o R pelo L. Seu sonho é ser o dono da rua, e ele sempre faz planos infalíveis para derrotar a Mônica. Planos esses que nunca falham em falhar.

O Cascão é o melhor amigo e mão direita do Cebolinha. Ele usa uma blusa amarela e um saiote vermelho xadrez. Está sempre sujinho porque tem medo d’água e nunca tomou banho na vida. Apesar de ajudar o Cebolinha, sempre reclama de como os planos infalíveis nunca dão certo.

A Magali usa um vestidinho amarelo e é a maior comilona. Não há limite para o seu apetite, mas nunca engorda. Seu temperamento é mais calmo, mas quando o assunto é comida ela se descontrola.

Observe como é fácil descrever as características principais de cada personagem em um parágrafo curto. E como as características de cada um, além de serem únicas, contribuem para suas relações uns com os outros. A partir daí, é possível desenvolver essas personagens em histórias únicas, sem que sua caracterização fique superficial ou inconsistente.

Experimente fazer o mesmo com suas personagens. Descreva-as em um parágrafo curto, trazendo a tona suas características mais marcantes. Pense em como isso movimenta o enrendo e afeta suas relações com outras personagens. Para ir mais longe, utilize o Método Snowflake para expandir esse parágrafo e torná-lo em uma ficha da personagem. Use sempre essa ficha como referência, deixando espaço para o amadurecimento, é claro, mas sem jamais se esquecer da essência de cada personagem. Você verá os resultados.

Toda obra da MSP é feita com muito esmero. Cada desenhista é treinado por meses até dominar o traço padronizado das personagens. Os roteiros dos gibis até hoje passam por Mauricio de Sousa, que os aprova ou não. Sem exceção, há um controle de qualidade para tudo.

Como se manter fiel às suas personagens? Aprenda com a Turma da Mônica

É por isso que os desenhos da Turma da Mônica feitos por amadores ficam tão estranhos, mas a Turma da Mônica do macarrão instantâneo é impecável. E é por isso que o filme emocionou tantas pessoas.

Mesmo que na adaptação live-action a aparência das personagens não estivesse uma cópia exata dos quadrinhos, a essência da turma foi transmitida na telona. Ganhamos uma história saudosa, um filme perfeito para a Sessão da Tarde. Ganhamos a oportunidade de ver as personagens que amamos em carne e osso.

E você? O que pensa da Turma da Mônica? Deixe aqui seu comentário.

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