Certos temas parecem estar presentes na nossa oralidade desde que o mundo é mundo. A vingança é, sem dúvidas, um desses. Desde a tragédia antiga até os filmes de suspense da atualidade, nós nunca paramos de falar sobre a vingança. Na autopublicação de ebooks não é diferente.
Talvez conectada aos mais primordiais sentimentos, o desejo pela vingança surge da sensação de injustiça. Quando um mal é causado e nada é feito para corrigir ou amenizar esse dano, a vingança se torna o curso de ação.
É a justiça pelas próprias mãos, sem um mediador neutro. O vingador carrega em si as próprias emoções de ressentimento, sendo motivado por sua própria dor e/ou revolta.
O aspecto passional da vingança é também onde ela está suscetível ao erro. O justiceiro decide por conta própria se houve um crime, quem é seu algoz e como essa dívida deve ser paga. Qualquer erro de julgamento, ou de ausência do julgamento propriamente dito, pode ter consequências catastróficas.
Um dos pontos-chave ao publicar ebook sobre vingança é o enredo se centralizar em um protagonista que busca vingança contra uma injúria real ou imaginada. No campo da subjetividade, não há uma pessoa (ou personagem) que tenha acesso a uma verdade absoluta.
Essas confusões da realidade – do que de fato aconteceu ou não na história – são possíveis por diversas razões. Uma personagem pode ser movida pela paranoia, pode ter alucinações, pode ter sido manipulada por outra personagem ou tudo pode ter sido um simples mal entendido.
Na literatura brasileira, temos um exemplo de personagem destruída pelo próprio ressentimento: Bentinho. Embora o Dom Casmurro não seja uma obra categorizada como uma “história de vingança”, o enredo ainda retrata as etapas típicas do processo vingativo:
- A percepção de uma injúria (a suposta traição de Capitu);
- A sensação de injustiça (relações gradualmente destruídas);
- A ação vingativa (“exilar” Capitu e seu filho).
O que torna Dom Casmurro uma obra tão emblemática é justamente sua subjetividade. Através da narrativa em primeira pessoa, somos enviados em uma jornada parcial, na qual Bentinho revela apenas o seu ponto de vista, com suas opiniões e curadoria (ele não tem porque revelar o que não lhe convém).
O narrador-personagem não é neutro nem onisciente. Ele não carrega com si as verdades absolutas, nem está acima de emoções mesquinhas. O que o leitor acompanha é o que essa personagem acredita ser real, ou talvez a versão da história na qual essa personagem gostaria que os outros acreditassem.
Existem regras para uma história de vingança?
Como todo gênero da ficção, as histórias de vingança têm suas características marcantes. O público que acompanha esse nicho tende a gostar de certos tropes. É o famoso “testado e aprovado”. Contudo, regra seria uma palavra forte demais.
O modelo mais clássico para uma narrativa de vingança seria uma história que gira em torno de três personagens: herói, vítima e vilão.
O herói e a vítima devem ser duas pessoas com uma forte conexão. O vilão deve cometer um ato hediondo contra a vítima. Esse ato não pode ser revertido e não é realizada uma compensação à altura. O herói, então, planeja uma vingança em prol da vítima (que pode estar morta ou impossibilitada de agir por si própria).
Em alguns cenários, a vítima e o herói podem ser a mesma pessoa. Ou seja, a personagem principal sofre uma injúria e ela própria decide se vingar contra quem a causou.
Tipos de injúrias em histórias de vingança
O ato imperdoável que leva ao desejo de vingança pode ser muito variado em sua natureza. As primeiras opções que vêm à mente são os crimes hediondos: assassinato, estupro, tortura. Contudo, não são as únicas possibilidades.
O ato também pode ser uma traição (no seu mais amplo significado), pode ser um atentado contra a reputação da vítima, pode ser a prática do bullying, entre milhares de opções.
É importante se lembrar que o que define a injúria é a percepção de quem se sentiu prejudicado. Dessa forma, nem sempre vai haver de fato um crime, uma má ação. A personagem pode apenas ter se sentido traída, se sentido humilhada, sem que o antagonista tenha de fato executado tal ação.
A justificação da vingança
Em uma história de vingança mais tradicional, as ações do protagonista são justificadas. Houve o crime, a reação é justa, o espectador sai feliz e contente. Sim, esse modelo é o mais característico e traz satisfação ao público que já sabe o que quer e o que esperar.
Por esse motivo, muitos guias de como escrever uma história de vingança incentivarão você a criar um protagonista carismático, traçar uma narrativa que faça com que o espectador sinta compaixão por essa personagem e que o clímax seja uma execução da vingança em medidas comparáveis ao ato original.
O ato vingativo pode ter requintes de crueldade, satisfazendo uma sede sádica do público, mas espera-se que essa ação seja justificada. O herói pode explorar toda a sua criatividade na tortura do algoz, desde que os métodos façam sentido com a narrativa, como uma resposta direta à forma em que a vítima foi prejudicada.
Olho por olho, dente por dente. É satisfatório que o herói responda humilhação com humilhação, violência com violência.
Esse é o método padrão. Nós, da Bibliomundi, no entanto, acreditamos que ninguém é obrigado a seguir o padrão. Em vez disso, apostamos na total liberdade criativa para publicar livro do jeito que você quiser.
Histórias de vingança também podem ser mais complicadas do que isso. O seu protagonista pode ser moralmente ambíguo. Pode extrapolar na vingança. Pode não ter uma motivação convincente.
Muitos vilões nascem do desejo de se vingar de alguém. Para Malévola, em A Bela Adormecida (1951), não ser convidada para uma festa foi motivo o bastante para se vingar contra toda a família real.
Uma pessoa que se sente humilhada, ignorada, negligenciada pode desenvolver tamanho ressentimento que decide se vingar do mundo.
O que define quem é protagonista e quem é antagonista na sua história não são os conceitos de herói e vilão, mas sim a perspectiva pela qual a história é contada.
Ninguém precisa ter bons motivos para executar a vingança, nem mesmo ter bons métodos para executá-la, desde que você transmita sua narrativa de forma convincente.
A desistência da vingança
Uma alternativa interessante e que, surpreendentemente, está presente em muitas histórias de vingança é a desistência de executar o próprio ato vingativo em si. Sim, você pode escrever uma história de vingança sem a parte em que a vingança de fato acontece.
Como já mencionamos, a vingança envolve questões subjetivas e de moralidade dúbia. Ela é definida de forma pessoal por uma pessoa que se sente prejudicada e, em geral, tem a ver com a sensação de que a justiça (por intermédio de autoridades) não foi feita.
Embora a vingança possa trazer muita satisfação ao público como recurso narrativo, é de se pensar como ela pode impactar a vida de quem a executa em si. Alguns problemas em torno da vingança são:
- A vingança pode ter consequências legais e/ou públicas para o herói, como a prisão e o ostracismo.
- A vingança não é capaz de apagar a injúria cometida pelo vilão: a dor continuará existindo, o que se perdeu continuará perdido.
- O ato vingativo, para equivaler à injúria, faz com que o herói também seja comparável ao vilão: sua integridade moral é destruída.
- A alimentação do ressentimento na busca pela vingança por si só provoca novas dores emocionais no herói.
- O ato vingativo é uma nova injúria, que pode provocar a outra parte a buscar vingança em retorno, criando um ciclo sem fim de “olho por olho, dente por dente”.
Tendo em vista essas questões, o herói pode optar pela não conclusão da vingança. Essa decisão pode acontecer antes ou durante o ato vingativo. Por exemplo, quando o herói quer se vingar de todo um grupo de pessoas, ele pode desistir antes de chegar à pessoa que considera principal responsável.
Para que a história ainda traga algum senso de conclusão, é interessante que haja algum confronto entre as partes opostas. É importante também que o arco narrativo faça sentido, com uma progressão que leve à desistência da vingança de forma satisfatória, sem parecer uma decisão repentina e aleatória.
Por fim, o seu herói pode cometer a vingança até o fim para então perceber os problemas listados acima e se arrepender. Pode até mesmo perceber problemas diferentes.
Por exemplo, que a injúria cometida contra ele foi, na verdade, uma vingança e que o vilão original era a si próprio, por um erro que ele nem sequer percebeu que havia cometido.
Ou, quem sabe, que ele perceba que se vingou da pessoa errada, ou pelos motivos errados.
As possibilidades são infinitas. E quem decide a história é você.
E aí, autor? Está pronto para a vingança?