Como escrever uma distopia

A distopia é uma palavra de origem grega que significa “lugar ruim”. É o oposto da utopia, o lugar ideal. Na nossa vida, se perguntarem qual dos dois preferimos, difícil será encontrar uma pessoa que prefira a distopia. Contudo, na ficção, os livros de distopia são um fenômeno que vive se reinventando e arrasando nas vendas.

O que faz da distopia um gênero tão popular, seja no Young Adult ou em clássicos da literatura? É possível que o segredo esteja no que a distopia sugere de maneira alegórica. Em outras palavras, a distopia muitas vezes é uma versão exagerada da realidade, uma metáfora para representar os problemas do mundo em que vivemos, uma maneira diferente de enxergar os desafios da nossa sociedade.

Podemos observar isso em O Conto da Aia, livro escrito por Margaret Atwood em 1985 e que recentemente foi adaptada para uma série de televisão. A história retrata uma sociedade distópica em que uma facção religiosa toma o poder e estabelece uma teocracia cristã totalitária. Nela, as mulheres não têm mais direitos e muitas são enviadas para as casas da elite, onde servem como reprodutoras.

Tanto o livro quanto a série têm o mesmo cuidado: todos os eventos são baseados em algo que acontece ou já aconteceu em algum lugar do mundo. O exagero está apenas em concentrar todos esses eventos em uma única sociedade, em uma única época. Logo, temos uma história que é mais do que verossímil, ela é possível.

O Conto da Aia ou Handmaid’s Tale, como é conhecido em inglês, tornou-se popular porque inspira um medo real. Em todo o mundo, é possível observar um avanço do conservadorismo que vai de encontro com a ideologia do público-alvo da série. Isto é, mulheres e outras minorias que querem manter seus direitos. O direito ao próprio corpo, por exemplo. A autonomia para dizer não. A liberdade para trabalhar.

Existem diversas maneiras diferentes de se escrever uma distopia e, é lógico, você não precisa seguir o exemplo de Margaret Atwood e incluir apenas eventos que já aconteceram na vida real. Não, na literatura, especialmente na autopublicação de ebooks, há liberdade criativa.

No entanto, se você deseja escrever livro relevante, que realmente mexa com os leitores, é interessante você pensar no aqui e agora e usá-lo como base. Pergunte a você mesmo:

  • Quais os problemas do mundo onde eu vivo?
  • O que eu temo que aconteça no futuro?
  • Que tipo de retrocesso eu gostaria de evitar?

A resposta dessas perguntas podem ser a base para a sua distopia. Em geral, toda distopia tem uma mensagem, um tema. N’O Conto da Aia, é possível afirmar que o tema são as desgraças que o fanatismo religioso pode provocar quando unido ao governo. Logo, o leitor pode interpretar a mensagem como “devo tomar cuidado com a ascensão do conservadorismo e do fanatismo religioso”.

Outra distopia que faz muito sucesso atualmente é a série Black Mirror, que se passa em uma sociedade futurista. Cada episódio apresenta um novo aparato tecnológico e, quase sempre, as consequências são terríveis.

Black Mirror, como toda boa distopia, conta com um enredo que leva as personagens a viverem situações extremas. O exagero é a chave para revelar verdades obscuras e inconvenientes sobre a natureza humana, é o artifício da distopia. A mensagem pode ser interpretada de duas formas:

  1. O produto da tecnologia nem sempre é positivo para a humanidade, e as vezes precisamos dar um passo para trás e avaliar se certas novidades são boas ou não. Por exemplo, há pessoas que acreditem que as redes sociais estão alienando as pessoas. Logo, o passo para trás seria se afastar delas.
  2. A humanidade, em si, tem problemas e a tecnologia é apenas o meio que o enredo usa para revelá-los. O problema, então, não seria a rede social em si, mas a maneira como certas pessoas a utilizam. Ao remover a rede social, os problemas ainda estariam ali.

Não importa qual seja a interpretação do indivíduo, ou até mesmo a intenção original dos criadores da série, o fato é que Black Mirror é atual e lida com questões relevantes para os espectadores. Por isso, é um sucesso.

O que não pode faltar em uma distopia?

Desgraça. Basicamente, distopia é um “lugar ruim”. Ou seja, uma sociedade infeliz, injusta, um mundo onde o leitor não vai querer viver de jeito nenhum. Logo, não dá para publicar ebook de distopia sem caprichar nos horrores.

É claro, você deve se manter atento à faixa etária do seu público-alvo. Caso você queira escrever um ebook para adolescentes, é importante se lembrar que eles não são maiores de idade ainda e, por isso, certos conteúdos devem ser evitados. Isso não deve ser um problema. É possível escrever um mundo terrível sem cair em descrições gráficas de brutalidade. Por exemplo, você pode falar em detalhes sobre um mundo onde as pessoas passam fome.

Neste gênero, o show, don’t tell é essencial. Isto é, em vez de simplesmente dizer “é um mundo horrível”, você deve descrever como as personagens vivem, como é o cenário, como são as políticas. Explore todos os sentidos: visão, olfato, audição, paladar, tato.

Seguindo no exemplo da fome, você pode descrever um mundo feio, onde nunca faz sol, mas a água é contaminada. As ruas são cinzentas, cheias de lama, e você sempre sente sua pele úmida e suja. O fedor pútrido parece penetrar até os seus poros, e ao fundo você sempre ouve o som de ratos e insetos passeando, com o ocasional choro de dor e desolação. A comida é escassa, apodrece rápido e, na melhor das hipóteses, não tem gosto de nada. Ah, o gosto de nada é um alívio.

É possível, inclusive, partir para uma pegada completamente diferente. Você pode descrever um mundo límpido, ensolarado, cheiroso, farto, mas que é apenas uma fachada utópica para uma sociedade cheia de problemas, que faz lavagem cerebral nos cidadãos para que não percebam nada de errado.

No final das contas, existem mil maneiras diferentes de escrever uma distopia. O que você deve descobrir é como é a distopia que você quer escrever.

E aí, autor? Está pronto para publicar livro de distopia?

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