Hoje em dia se fala muito em representatividade, mas para criar histórias que falam de pessoas de verdade, temos que ir além. Não basta publicar livro que inclui uma personagem pertencente a uma minoria, você deve dar vida à ela, fazer jus à causa. É preciso pensar em todos e em cada um ao mesmo tempo.
As pessoas com deficiência estão aqui, por todo lugar, mas são constantemente esquecidas e invisibilizadas. Quantos lugares nós vamos que são realmente acessíveis? A educação é acessível a essas pessoas? E o entretenimento? O mínimo que você, autor, pode fazer, é criar um lugar seguro na literatura, onde elas se sintam representadas como são: pessoas.
Então, vamos às nossas dicas de autopublicação, pensando não só em livros melhores, mas em um mundo melhor também:
1. Uma pessoa é mais do que a sua deficiência
E o mesmo vale para personagens. Pertença ela a essa ou outra minoria, essa característica é parte de um todo, mas não é o todo. Dê à sua personagem uma personalidade única, com defeitos e qualidades (afinal, uma deficiência não torna ninguém santo). Faça com que o arco dessa personagem, sua história e seus objetivos, sejam muito mais do que sua deficiência.
Como diz a música Amar(Elo), do rapper Emicida:
Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes, que nem devia ‘tá aqui
Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nóiz?
Alvos passeando por aí
Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Se isso é sobre vivência, me resumir a sobrevivência
É roubar o pouco de bom que vivi
Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Achar que essas mazelas me definem, é o pior dos crimes
É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóiz sumir
Aliás, o próprio clipe de Amar(Elo) é uma lição de representatividade, com direito a um vídeo por trás das câmeras que conta a história de cada pessoa que foi filmada por aquelas lentes.
É importante deixar um adendo, no entanto. Ainda que as personagens não sejam definidas pela sua deficiência, ela continua sendo uma característica que está lá, presente, e que afeta suas vidas em algum nível. Debater essa questão é igualmente relevante. Lembre-se, é uma parte do todo. Privilegie todas os aspectos e todas as cores que fazem sua personagem ser quem ela é.
2. Ter uma deficiência não é uma tragédia
Sim, é difícil ter uma deficiência. A sociedade também não contribui para que seja mais fácil. Mas isso não torna ninguém digno de pena. Inclusive, é um tanto quanto condescendente pensar dessa forma.
Olhar para uma pessoa com deficiência e enxergar algo trágico é impor sua própria visão de mundo em cima daquela pessoa. É decidir olhar apenas para o lado negativo e, consequentemente, reprimir as vitórias e felicidades que aquela pessoa pode viver. É negar as potencialidades de uma pessoa com deficiência.
Então, se você pensa assim, repense. E pare de usar termos e expressões que remetam a esse negativismo. Nada de dizer “preso a uma cadeira de rodas” ou “entrevado”. Nada de sentir pena da sua personagem. E para mostrar que a pessoa vem primeiro, não a deficiência, hoje em dia o termo preferido é “pessoa com deficiência”, não “deficiente”.
3. Pare de usar termos pejorativos
Aliás, é hora de você repensar seu vocabulário inteiro. Que tal refletir sobre a expressão “João sem braço”? É extremamente capacitista, pois sugere que uma pessoa sem braço não tem a capacidade de fazer tudo que os outros fazem ou até mesmo que ela tem preguiça e escolhe não fazer. De uma maneira ou de outra, é péssimo.
Pense também em termos pejorativos em relação à pessoas neuroatípicas. Quantas vezes por dia as pessoas falam a palavra “r*tardado”? O seu uso é normalizado, mas não deveria. Não é bonito chamar as pessoas de autista como se ser autista fosse um problema também.
4. Existem mais tipos de deficiência do que você pensa
Quando pensamos em deficiências, logo vêm à cabeça a pessoa na cadeira de rodas, ou talvez a pessoa que não enxerga nada e anda com um cão-guia. A deficiência nem sempre será algo visível ou óbvio.
Para quem fala inglês (ou se aventura com a tradução automática de legendas), há um vídeo muito interessante sobre este tema desenvolvido pelo canal Cut, no qual pessoas tentam adivinhar as deficiências de cada indivíduo em um grupo de pessoas desconhecidas. A moral da história é que a vivência de cada pessoa é muito mais do que você pode imaginar.
Além de nem sempre ser visível, uma mesma deficiência pode ocorrer em diversos níveis diferentes. Uma pessoa com deficiência auditiva pode conseguir ouvir com o auxílio de um aparelho auditivo. Ela continua tendo deficiência auditiva, e isso pode afetar seu dia-a-dia de diversas formas, inclusive pode afetar sua fala. Todos esses detalhes devem ser abordados com respeito e, é claro, pesquisa. Chegamos, então, ao próximo tópico.
5. Conheça pessoas com deficiência
Pesquise muito sobre a deficiência que sua personagem terá e tenha em mente que a fonte mais valiosa são as próprias pessoas com deficiência. A própria medicina está majoritariamente nas mãos de pessoas privilegiadas, e certas pesquisas, embora valiosas, olharão para as pessoas com deficiência como objetos de estudo.
Na construção de uma personagem, o mais importante é compreender como ela navega o mundo, e nada melhor do que pessoas que se identificarão com sua personagem para ajudar nesse processo criativo.
Leia livros e textos escritos por pessoas com deficiência. Assista seus vídeos e palestras. Acompanhe o seu trabalho. E, se possível, entre em contato diretamente com elas, faça entrevistas, solicite uma consultoria ou contrate um leitor sensível. Como dizem: “nada sobre nós que não seja feito conosco”.

Ao conhecer pessoas com deficiência, conhecê-las de verdade, você verá que não há caixinha alguma capaz de contê-las, defini-las, reduzi-las. Elas podem ser tudo o que quiserem, como quiserem, onde quiserem. São de todas as cores, gêneros, classes. Têm todos os gostos.
Nós, da Bibliomundi, queremos ouvir as vozes dos nossos autores que têm deficiência. O que vocês acharam deste artigo? Tem alguma sugestão ou crítica a fazer? Deixe aqui seu comentário e fale sobre o seu trabalho como escritor!