Como escrever diálogos que acrescentam à narrativa

Por que escrevemos diálogos em livros de ficção? É apenas por que pessoas falam? Ou eles cumprem um propósito específico? Nas dicas de autopublicação de hoje, vamos falar um pouco sobre a relação entre os diálogos e o desenvolvimento do enredo na ficção.

Quando escolhemos publicar livro de ficção, espera-se que todos os elementos presentes na narrativa cumpram um papel específico. Cada cena deve ter um motivo para estar ali. O que é inútil e desagradável deve ficar apenas no rascunho.

Ao pensarmos com cuidado sobre o que é a história que estamos escrevendo, a qual gênero pertence, quem serão seus leitores, qual o seu tema, qual o objetivo dessa obra, entendemos também quais as necessidades dessa narrativa.

Não interessa se você é o tipo de autor que prefere planejar o enredo com cuidado antes de escrever o livro ou o tipo que vai descobrindo sobre o que está escrevendo conforme escreve. Enquanto você não publicar ebook, há tempo de compreender sua história e editá-la conforme necessário.

No que diz respeito aos diálogos, eles são muito mais do que frases soltas jogadas ao vento pelas personagens. Na vida real, podemos jogar conversa fora sem motivo nenhum. Na literatura, não.

Como já explicamos nos dois artigos da série Como escrever diálogos realistas, uma boa narrativa não imita com exatidão a vida real. Fora do campo da arte, a vida real pode ser chata, com momentos tediosos e sem propósito, com dias repetitivos. A narrativa, por outro lado, é fabricada com objetivos nítidos.

Quando cortamos fora o que é desnecessário, podemos ter um texto que soe natural, faça sentido dentro de si mesmo e até mesmo pareça uma história real, mas sem ser maçante ou repetitivo. A palavra-chave é a verossimilhança.

Quando devo incluir um diálogo na minha história?

Imagine, por exemplo, que a sua personagem está num ponto de ônibus e alguém puxa assunto com ela. Essa é uma situação muito comum na vida real. Seguindo essa lógica, é possível que momentos como esse aconteçam na vida cotidiana da sua personagem.

Agora, tente se lembrar: quantas vezes você teve uma conversa com um estranho em um ponto de ônibus que mudou sua vida? A verdade é que, mesmo que muitas pessoas já tenham puxado assunto com você na rua, a maioria dessas situações acaba caindo no esquecimento.

O que define se uma conversa com um estranho no ponto de ônibus merece ou não fazer parte da narrativa é a relevância que isso tem para a história a longo prazo.

Diálogos podem cumprir diversos objetivos em uma narrativa. Entre eles:

  • Estabelecer a dinâmica entre as personagens
  • Acelerar o ritmo da história
  • Expor informações cruciais do enredo
  • Contribuir para o desenvolvimento de uma personagem
  • Criar momentos de tensão e atrito
  • Desenvolver a sensação de suspense no leitor
  • Criar uma conexão entre a personagem e o leitor

Ainda pensando no cenário ponto de ônibus, ele pode servir para estabelecer a rotina da sua personagem no começo da história, mostrando um pouco do cenário e do caráter da sua personagem. Por exemplo, você pode mostrá-la interagindo brevemente com as pessoas que esperam o ônibus junto com ela, cumprimentando o motorista, oferecendo o lugar para uma pessoa idosa.

Esses diálogos não devem ocupar muito espaço, servindo mais como uma forma de apresentar o leitor o seu universo narrativo antes das engrenagens do enredo começarem a rodar.

Você também pode apresentar uma quebra da rotina no ponto de ônibus. E se nesse ponto de ônibus, a personagem se apaixonar por um desconhecido e esse amor efêmero e inalcançável se tornar um dos pontos centrais do seu conflito interno? Ou, alternativamente, o estranho que puxa assunto no ponto de ônibus se tornar um sequestrador? Nesses cenários, o diálogo se torna ativamente importante para o enredo em si.

Uma simples conversa no ponto de ônibus pode fazer a personagem repensar toda a sua vida. Não precisa ser uma conversa cheia de ação, basta ter uma epifania. E, às vezes, essa conversa no ponto de ônibus é o “chamado para a aventura” da Jornada do Herói. Quem sabe essa pessoa desconhecida cheia de sabedoria não seja uma das faces do Mestre dos Magos?

Todas essas possibilidades interessantes são o que diferencia um diálogo relevante para a narrativa de um diálogo insosso, que seria cortado na etapa de edição.

O que você sempre deve ter em mente, como já mencionamos anteriormente, são as necessidades específicas do seu livro. Nem toda história pede um sequestrador. Da mesma forma, nem toda história pede que o protagonista se apaixone no ponto de ônibus.

Em uma história de drama, pode ser interessante incluir uma conversa monótona entre marido e mulher no café da manhã. Esse diálogo pode servir para expor o quão desgastada está a relação dos dois, como uma amostra de como o seu cotidiano é sem graça. Pois é, até mesmo cenas “sem graça” podem cumprir um objetivo.

O ponto é que mesmo em uma cena parada é possível existir tensão. Um casamento entediante e degradado tem tensão. Esse diálogo pode ser o primeiro passo narrativo a caminho de uma grande mudança.

Um livro que expõe o quão sem graça a vida pode ser é, em geral, um livro que critica e questiona o que leva uma pessoa a viver uma vida assim. É possível propor reflexões com diálogos do gênero.

Agora, se esse diálogo morno do café da manhã apenas está lá, pairando no espaço, sem levar a nenhum tipo de ação ou reação… Então, por que incluí-lo? Qual o seu propósito? Essa é a pergunta que você deve fazer a si mesmo.

Uma personagem é, tipicamente, a conexão entre o leitor e a narrativa. O leitor conhece a história sob o ponto de vista da personagem-foco (para saber mais, confira o artigo Uma história, múltiplos narradores).

A trajetória e as reflexões das personagens influenciam a experiência narrativa do leitor. Tudo aquilo que suas personagens dizem tem um impacto direto na mensagem que o leitor tira do seu livro. Com os diálogos, você pode transportar o leitor através do enredo. Ou seja, essas falas geram movimento.

E aí, autor? Como você faz para identificar os diálogos descartáveis dos diálogos que movem o enredo?

2 Comentários


  1. Sempre acompanho o blog Bibliomundi.
    São, sem dúvida, informações valiosas sobre a elaboração de diálogos.

    Obrigado.

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    1. Redação

      Ficamos felizes em saber disso. Você tem a intenção de publicar seu livro?

      Responder

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