Como criar uma personagem de livro?

As personagens são, sem sombra de dúvidas, um dos elementos mais importantes de uma história. É possível publicar livro de sucesso com personagens apaixonantes, mas um enredo básico, sem grandes conflitos ou reviravoltas. O contrário é bem mais improvável.

Para muitos escritores, criar uma personagem é um processo natural e espontâneo. Primeiro, você pensa em algumas características básicas e, de repente, é como se sua personagem tivesse ganhado vida e tomasse decisões por conta própria. O autor se torna apenas um observador, que conta aos leitores aquilo que descobre sobre sua própria história.

No entanto, nem todas as personagens surgem desse jeito. Pode levar anos de experiência para aprender como criar uma personagem de maneira simples e eficaz. Além disso, de tempos em tempos, até mesmo o escritor mais experiente pode precisar trabalhar de maneira um pouco mais consciente no desenvolvimento de personagens.

Se você está tendo dificuldades para criar uma personagem, não se preocupe. Existem muitos métodos eficazes para desenvolver personagens impressionantes, que contribuem para a história e cativam os leitores.

Nas dicas de autopublicação do blog da Bibliomundi, já sugerimos 17 perguntas que você deve fazer às suas personagens. O objetivo é entrevistar sua personagem para descobrir informações relevantes e desenvolvê-la ao máximo.

Hoje, vamos dar alguns passos para trás e ensinar os princípios básicos, porém fundamentais para aprender como criar uma personagem que se encaixa em uma narrativa.

1.     Pense no papel dessa personagem na história

Para criar uma personagem de um livro, o ideal é começar pelo papel que ela ocupa no enredo. Caso contrário, você desenvolverá uma personagem solta, que não se encaixa em narrativa alguma. Basicamente um amigo imaginário. Pode ser até divertido, mas não é muito produtivo.

Em obras de ficção de modo geral, as personagens podem ocupar cinco posições diferentes:

  • Protagonista
  • Co-protagonista
  • Antagonista
  • Coadjuvante
  • Figurante

O protagonista, como você já bem sabe, é a personagem principal de uma história. De certa forma, o seu livro gira em torno dessa personagem e suas ações. Os co-protagonistas são outras personagens importantes para a história, mas que não ocupam uma posição tão central no enredo.

O antagonista é a personagem que se opõe ao protagonista. A palavra “antagonista” costuma ser lida como sinônimo de “vilão”, mas não é necessariamente dessa forma. Em algumas histórias, o protagonista é o criminoso e o antagonista é o detetive que quer solucionar o crime.

Os coadjuvantes são personagens de menor importância na história. Eles participam no enredo, aparecem mais de uma vez na história e podem até mesmo ser pessoas importantes para os protagonistas, mas ficam longe dos holofotes da narrativa.

Os figurantes, por sua vez, são personagens que ficam no pano de fundo da história, quase que como enfeites, sem participar ativamente do enredo. Às vezes, essas personagens podem ter valor simbólico importante para a história, mas o leitor nunca deve saber muito sobre elas.

Esses cinco papéis podem ser divididos em apenas duas categorias: personagens complexas e personagens rasas. As personagens relevantes para a história que participam ativamente no enredo devem ser complexas. Todas as outras são rasas.

Dessa forma, protagonistas, co-protagonistas e antagonistas são personagens complexas. Coadjuvantes e figurantes são personagens rasas.

Por que é importante fazer essa distinção?

Compreender exatamente qual papel uma personagem ocupa na história é uma maneira prática de determinar o foco da narrativa e realizar a caracterização adequada. Pense no protagonista, por exemplo. Como falamos anteriormente, o enredo gira em torno dessa personagem.

Se você escrever cinco vezes sobre um mesmo evento, mas escolhendo um protagonista diferente cada vez, é provável que o resultado sejam cinco histórias completamente únicas. Quando se trata de ficção, isso se mostra ainda mais real, pois as características do protagonista moldam os eventos da história e podem influenciar até mesmo no gênero do livro.

Da mesma forma, é essencial medir a quantidade de informações que você oferecerá ao leitor. Conheça suas personagens a fundo, mas apresente apenas a ponta do iceberg na caracterização. Caso contrário, o seu livro ficará denso demais e perderá o foco.

No que se trata dos co-protagonistas, essas personagens podem ser quase tão importantes quanto o protagonista, mas às vezes podem se encontrar em um nível próximo dos coadjuvantes. O que diferencia os coadjuvantes dos co-protagonistas é o destaque que cada personagem ganha na história.

É comum, por exemplo, que os holofotes da narrativa se voltem para os co-protagonistas em diversos momentos do livro. Você pode até mesmo escrever capítulos inteiros sob o ponto de vista dessas personagens. E, é claro, essas personagens devem ter seus próprios arcos no enredo.

Em resumo, o enredo principal do livro deve girar em torno do protagonista, mas podem haver “sub-enredos” dedicados aos co-protagonistas e também ao antagonista. E é justamente por causa desse destaque que essas personagens precisam ser complexas. O leitor deve entrar na mente dessas personagens, sentir seus sentimentos, entender suas motivações e se identificar com elas.

Onde se encaixam as personagens rasas?

Em geral, as personagens rasas não têm destaque na história. São muito incomuns capítulos sob o ponto de vista de um coadjuvante, assim como a existência de um arco voltado para essas personagens. Quando o destaque se volta para uma personagem rasa, ela costuma ocupar a posição de “objeto”, sem participar ativamente e mover o enredo.

Por exemplo, pense em uma história em que o protagonista é um herói e, em determinado momento, precisa resgatar a “filha do presidente” que foi sequestrada. Nessa história, não há qualquer tipo de relação entre o herói e a filha do presidente e em momento algum o narrador expõe o ponto de vista da menina.

Ainda que esse arco seja dedicado à filha do presidente, o que a torna relevante para a história, ela não ocupa uma posição de protagonismo, sendo apenas um “objeto” para a ação do herói. Logo, é uma personagem rasa e sem participação ativa no enredo.

Nesse contexto, você poderia facilmente substituir a “filha do presidente” por uma jóia milenar que foi roubada de um museu e seu herói precisa resgatar.

De qualquer forma, tanto os coadjuvantes quanto os figurantes podem ter seus cinco minutos de fama. Um coadjuvante pode ser aquele amigo do protagonista que oferece um conselho surpreendente em um momento crucial na história, efetivamente salvando o dia. O figurante, por sua vez, pode representar aquela última gota d’água que muda a vida do protagonista.

Harry Potter e a Pedra Filosofal, o primeiro livro da série que enriqueceu a autora J.K. Rowling, começa com uma descrição do dia da família Dursley, que se orgulhava de ser tão normal e direita quanto possível.

Contudo, alguns eventos fora do comum acontecem, e o Sr. Dursley vê algumas pessoas estranhas na rua. “Gente com capas largas”, “que andava com roupas ridículas”. São figurantes que atraem a atenção do Sr. Dursley e transmitem a mensagem de que aquele não era um dia qualquer. Mais tarde, descobrimos que essas personagens esquisitas eram bruxos e que o grande evento era a morte de “Você-Sabe-Quem”, também conhecido como Voldemort.

Em O Despertar, de Kate Chopin, por sua vez, temos três figurantes emblemáticos, que não têm nome nem diálogos, mas são relevantes o suficiente para serem analisados em artigos acadêmicos sobre a obra. São um casal de namorados e a senhora de preto. Essas três figuras são sempre vistas no mesmo cenário e podem ser interpretados como o símbolo do amor em seu auge seguido da solidão e decadência, temas centrais do romance.

Como criar uma personagem complexa

Uma personagem complexa deve se assemelhar a uma pessoa de verdade. Em outras palavras, ela deve ter qualidades e defeitos, opiniões próprias, atitudes por vezes imprevisíveis e a capacidade de amadurecimento (o que chamamos de “desenvolvimento de personagem”).

Para começar a criar uma personagem, não tem problema você pensar em uma característica importante, um estereótipo, uma qualidade. O que importa é que você não pare por aí e continue a desenvolvendo até que se torne um ser multifacetado.

O exercício número um para aprender como criar uma nova personagem é simplesmente se deixar levar. Imagine sua personagem de maneira livre, anote as primeiras características que vierem à cabeça. Continue até não pensar em mais nada.

Então, analise o que você tem em mãos. Pode ser um rascunho complexo, pode ser uma lista com apenas dois itens. De uma maneira ou de outra, não tem problemas. Agora, analise de um modo geral como você descreveria essa personagem em apenas uma frase. Vamos supor que o resultado seja:

“Homem de negócios perfeccionista e mal humorado”. A essa altura, temos um conceito raso e até meio estereotipado. Podemos observar que há mais características negativas do que positivas.

O próximo passo é mudar essa situação, trazendo características contrárias ao que você já pensou, de modo que sua personagem ficará mais equilibrada. Por exemplo, você pode dizer que esse homem de negócios mal encarado é um grande apreciador das belas artes. É um ponto de conexão que pode ser usado para explorar a relação entre essa e outras personagens.

Podemos imaginar, por exemplo, que um funcionário que morre de medo desse homem de negócios o encontrou sem querer em uma pequena galeria de artes e, a partir daí, conseguiu ter uma conversa sincera e agradável com o chefe assustador.

Personagens rasos podem (e devem) se resumir a estereótipos. Personagens complexos devem ser o oposto disso. Por isso, para cada característica nova que você imagina, pense em uma característica oposta complementar.

Como apresentar uma personagem complexa aos leitores

Quando conhecemos uma pessoa, temos uma primeira impressão rasa. Em geral, pensamos sobre sua aparência, as roupas que está usando, talvez sobre seu cheiro ou voz. Possivelmente não vamos prestar atenção nessa pessoa. Possivelmente vamos julgar suas atitudes.

Da mesma forma, quando você começou a desenvolver sua personagem, ela não era nada além de um estereótipo. Foi aos poucos que outras características se desenvolveram.

Ao apresentar uma personagem complexa para o seu leitor, o processo deve ser semelhante a quando conhecemos alguém. Sabe aquela característica bem marcante que dá para reparar logo de cara? Concentre-se nela! Ou quem sabe você pode criar uma primeira impressão totalmente errada.

Em livros de romance, é comum que a cena em que o casal se vê pela primeira vez não seja lá um sonho. Pode ser que sua protagonista esteja atrasada para uma reunião importantíssima e, de repente, o interesse romântico esbarra nela e derruba um copo de café em cima de todos os documentos da reunião. E não pede desculpas.

Você pode descrever essa cena de modo que seu leitor odeie esse estranho desastrado tanto quanto sua protagonista, para depois revelar que ele só agiu daquela forma porque tinha acabado de ser demitido e estava tendo uma crise de pânico, afinal, sem o salário não conseguiria pagar o tratamento do câncer de sua mãe. E, é claro, ele será uma personagem maravilhosa, mas bem diferente do que parecia a princípio.

Personagens complexas não existem apenas no momento presente da narrativa. Elas têm um passado que justifica sua personalidade e atitudes. Elas têm motivações e objetivos que vão moldar seu futuro. Você deve pensar em todos esses aspectos e revelá-los cuidadosamente ao leitor, evitando sempre o excesso de informações.

E aí, autor? Está pronto para criar uma personagem inesquecível? Então, mãos à obra!

4 Comentários

  1. Elizandra de Sousa

    Excelente. Tenho usado muitas dessas técnicas para criar os meus personagens. São dicas valiosíssimas. Parabéns pelo trabalho e gratidão por compartilhá-los conosco!

    Responder

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