Ambientação: construindo o cenário para seu livro de ficção

Quando escrevemos um livro, é comum que os elementos narrativos em foco sejam o enredo e as personagens. Contudo, nenhuma história se passa no vácuo. Há sempre um pano de fundo. E é sobre isso que vamos falar nas dicas de autopublicação de hoje.

Na escrita criativa, chamamos esse pano de fundo de “ambientação”. Isto é, o lugar, a época, o contexto onde uma história se passa. Não se trata apenas de um cenário, porque envolve todo o ambiente que circunda as personagens.

A ambientação contribui para uma história ao:

·       Definir o tom.

A ambientação já se diferencia de um simples cenário ao definir o clima da história. Por exemplo, “escola” é um cenário válido tanto para histórias de romance quanto para histórias de terror. A forma que você estrutura esse cenário é o que o define.

Você pode descrever um ambiente hostil, mecânico, com paredes impecavelmente limpas que escondem segredos. Ou você pode descrever uma escola comum, onde alunos se estressam com as provas e risadas ecoam pelos corredores no intervalo.  

·       Estabelecer o contexto.

A época e o local onde uma história se passa determinam o seu contexto. O desenrolar de uma história, assim como a vida das personagens, pode mudar drasticamente de acordo com esses fatores. Uma pessoa crescida no interior puritano dos Estados Unidos no séc. XIX não vai ser igual a um paulista do século XXI.

O contexto também se insere no “micro”. Sua história inteira pode se passar dentro de uma mansão colonial. Esse simples fato já traz informações importantes sobre o contexto da história.

·       Servir como alicerce para a narrativa.

Da mesma forma que a ambientação nos informa sobre o contexto e o tom, ela pode ser útil na hora de estruturar os conflitos e temas da história.

Uma história que se passa em uma escola pode falar sobre bullying. Uma história que se passa numa mansão colonial pode falar sobre racismo e escravização. Ambas as ambientações podem servir como base para debater estruturas de poder.

Indo além, o cenário também pode oferecer pistas para solucionar o enigma em um livro de mistério.

Como definir a ambientação do meu livro?

Como você pode perceber, esse elemento narrativo tão subestimado tem um papel fundamental na construção de uma boa história. Mas então, como definir o ambiente ideal para a sua narrativa antes de publicar livro?

Isso vai depender, é claro, do processo criativo de cada escritor. É possível que o cenário seja a primeira coisa que vem à sua cabeça: “quero escrever uma história adolescente, que se passa em um colégio”. É possível também que surja primeiro uma personagem, um enredo, e a ambientação em si fique parecendo uma cortina de fumaça, indefinida.

No primeiro caso, você já está com meio caminho andado, e a partir daí deve lapidar essa ambientação. Como já falamos anteriormente, o cenário “escola” pode ser ambientado de várias formas diferentes.

No segundo caso, você precisará escavar um pouco mais fundo e procurar inspirações diferentes. Experimente assistir filmes, séries e documentários, leia notícias, procure imagens de locais interessantes.

De uma maneira ou de outra, o segredo é tentar identificar o tipo de ambientação que funcionaria melhor para a sua história. As perguntas base que você deve fazer a si mesmo são:

1.      Qual gênero literário você está escrevendo? – Para gêneros específicos, existem os cenários comuns e os incomuns. Analise suas possibilidades, veja como cada ideia funciona.

2.      Como é o tom da sua história? – O tom é definido de forma mais instintiva. Enquanto no gênero você pode sair da caixinha e experimentar um cenário novo, a ambientação define o tom através de sensações: quente ou frio, limpo ou sujo, amigável ou hostil.

3.      Quais temas você deseja abordar no seu livro? – O contexto de uma história propicia a elaboração de certos temas, como já mencionamos. Pense no que deseja abordar e em quais contextos você encontra exemplos disso. Por exemplo, onde a corrupção mais acontece? Onde acontece bullying? Onde há machismo? Onde há fé? Onde há amizade?

Indo além, você deve considerar a seguinte possibilidade: a ambientação serve apenas como um pano de fundo para a história ou tem uma participação ativa no desenvolvimento do enredo?

Quando a ambientação é apenas um pano de fundo, significa que se trata de um lugar como outro qualquer, que pode sim trazer informações contextuais, mas não tem um impacto profundo nos desdobramentos do enredo. Ex.: um romance colegial onde a escola é só uma escola genérica.

Se você quiser publicar ebook nesta categoria, então você pode pegar um pouco mais leve nos detalhes. Isso não significa que as perguntas anteriores são irrelevantes. O tom, contexto e temas da sua história ainda estão entrelaçados na ambientação, apenas de forma menos intensa.

Por outro lado, quando a ambientação tem participação ativa no enredo, significa que o próprio cenário e contexto da história vão se mostrar relevantes para o arco narrativo. Ex.: a escola é uma instituição de ensino autoritária; o cenário apresenta pistas para um assassinato; a época e o local onde a história se situa fazem com que as personagens participem de um enorme evento histórico, como uma revolução.

Ao optar por desenvolver a história dessa forma, você deverá se atentar aos detalhes, tudo de acordo com as necessidades da sua história.

Na ficção histórica, você deverá fazer uma pesquisa detalhada. Se a questão são pistas escondidas no cenário, então considere fazer um mapa do cenário e um fluxograma que une as pistas do cenário ao enredo. Se é para caracterizar uma distopia, então capriche na sensação opressora que o ambiente provoca através de sua descrição.

Ambientação – nem tudo é o que parece

Uma última consideração, mas de suma importância, é se você pretende expor imediatamente as coisas como elas são na narrativa, ou se você pretende transmitir uma ideia falsa ao público e/ou às personagens, que vai sendo desmascarada aos poucos.

Pense bem. Algumas histórias se beneficiam ao ir direto ao ponto. Não há muito o que mascarar se você apenas quer escrever uma história de amor ingênuo. Contudo, às vezes, em distopias, mistérios, livros de terror, suspense, ficção científica, fantasia e quem sabe até comédias e romances, pode ser interessante subverter essas expectativas.

Nesse caso, a ambientação da história deve ter diferentes camadas: o mundo como ele parece ser a princípio e o mundo como ele realmente é.

Alguns exemplos notórios de filmes com essa temática são: Matrix, O Show de Truman e Os Outros.

É interessante levar em consideração que nem sempre o público e as personagens têm acesso às mesmas informações ao mesmo tempo. Pode ser que a revelação venha ao público primeiro, pode ser que a personagem já saiba de tudo e esconda esse segredo, pode ser que a história termine sem que a personagem perceba que está vivendo uma ilusão.

De uma maneira ou de outra, é fundamental deixar certas pistas que apontam para a realidade. Como um pequeno defeito no papel de parede, mostrando os tijolos corroídos que se encontram atrás.

Vale mencionar que embora o mais comum sejam histórias nas quais a ilusão pareça agradável e a realidade seja mais sombria, não precisa ser sempre assim. Para variar, você pode criar uma história em que uma personagem acreditava estar vivendo um enorme terror para, no fim, descobrir que foi só uma pegadinha.

O que interessa não é se a realidade é boa e a ilusão é ruim ou vice-versa, mas que elas sejam distintas, bem caracterizadas, que cada uma tenha a sua função na narrativa e que existam pistas conectando esses “dois mundos”.

Desenvolva uma boa ambientação e estará meio caminho andado para escrever uma boa história.

E aí, autor? Já sabe onde vai se passar o seu próximo livro?

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