17 perguntas que você deve fazer às suas personagens

Nós, humanos, inventamos a história. Sem a narrativa, a linguagem, a nossa percepção dos fatos, o mundo apenas existiria. A literatura, igualmente, é feita de suas personagens, começando pelo eu lírico ou narrador.

Não importa o nível de qualidade e engenhosidade do enredo, são as personagens que movem a história. É possível escrever um clássico sem eventos grandiosos, mas dificilmente o livro se tornará atemporal sem personagens cativantes.

Por isso, para alcançar o potencial máximo de um livro de ficção, o autor deve conhecer suas personagens a fundo. Esse processo não se resume somente ao momento da escrita, mas também a diversos exercícios, que inclusive podem ser úteis durante os bloqueios criativos.

Você conhece suas personagens de verdade? Temos 17 perguntas para você fazer a elas.

1- Qual a sua data de nascimento?

Saber a data de nascimento de uma personagem, mesmo que a informação não seja revelada no livro, tem diversas utilidades. Em primeiro lugar, você será capaz de desenvolver um contexto histórico para a vida dela.

Mesmo que sua personagem seja do tipo que evita seguir tendências, o ambiente em que alguém vive sugere várias experiências possíveis. Uma pessoa que passou a infância nos anos 90 provavelmente brincava com ioiôs, tazos, jogava Nintendo e assistia Cavaleiros do Zodíaco.

Além disso, para aqueles que acreditam em astrologia, pode ser um exercício interessante adequar a data de nascimento às características da personagem, desenvolvendo um mapa astral preciso.

2- Onde você cresceu?

Era uma cidade pequena ou uma grande metrópole? O cenário era rural ou urbano? Todas essas características dizem muito sobre a mentalidade de uma pessoa.

Pessoas de áreas urbanas podem não conhecer os animais que alguém de uma área rural conhece. Por outro lado, quem passou a vida inteira em uma cidade pequena costuma ter uma visão do mundo mais limitada, com mente menos aberta.

Considere também a relação da sua personagem com o local onde cresceu. Ela gosta de lá? Continua morando lá ou não? Se sim, sente vontade de se mudar? E como é a relação dela com os outros moradores? Ter uma boa relação com o lugar onde mora é importante para o bem-estar de um indivíduo.

3- Como é o seu currículo?

Pode parecer muito impessoal, mas o currículo representa as experiências de trabalho e estudo de uma pessoa. A ideia não é “contratar” sua personagem, mas entender a trajetória que a levou a ter o currículo que tem.

Não considere apenas experiências formais. Atividades que não seriam consideradas como emprego regular, mas que atuam como fonte de renda ou de conhecimento artístico para a personagem também são importantes. Ser vendedor ambulante também é uma profissão, por exemplo.

Se sua personagem nunca trabalhou, considere a formação escolar e outras atividades interessantes. Sua personagem fez ou faz algum curso de línguas ou técnico? Pratica algum esporte? Como ela se sente em relação a essas atividades?

4- Quais são os seus objetivos na vida?

Emprego, moradia, vida amorosa… o que é mais importante para a sua personagem? Onde ela gostaria de viver, o que gostaria de fazer?

Esses objetivos podem ser atados diretamente aos temas do livro ou não. É possível que sua personagem nem ao menos saiba o que quer da vida, e que a busca por esse significado seja o que movimenta o enredo.

Em histórias de aventura, em que os protagonistas conhecem diversas personagens, é comum que cada personagem apresente seus objetivos como uma espécie de justificativa para fazerem parte da história.

5-Quais os seus maiores medos?

Seja uma fobia que pareça insignificante para os outros ou uma questão quase filosófica, o que assusta sua personagem? Fobias de insetos ou animais afetam o dia a dia de uma pessoa, já medos de coisas menos palpáveis, como a solidão, podem causar grandes conflitos.

Os medos das personagens podem ser abordados de diversas formas em uma história. Às vezes, são apresentados como alívio cômico, mas também podem refletir um trauma da personagem. É possível, inclusive, unir as duas possibilidades, fazendo do trauma uma piada.

6-Você tem algum problema de saúde?

De doenças terminais a alergias quase inofensivas, a saúde influencia profundamente a qualidade de vida de uma pessoa. Mesmo que este não seja um tema central em seu livro, pode ser uma peça essencial para o desenvolvimento da personagem ou para causar conflito em determinadas cenas.

Tente listar qualquer problema relacionado à saúde que sua personagem possa ter. Alergias, problemas respiratórios, transtornos psicológicos ou cognitivos, tumores, cistos, doenças sexualmente transmissíveis. Considere todas as possibilidades e os cenários em que elas podem se encaixar.

7-Qual a sua relação com causas sociais (direitos humanos)?

As questões sociais permeiam a vida de todas as pessoas, da política às relações interpessoais. Como a personagem enxerga essas questões? Como elas a afetam? Pense no posicionamento político, se ela é de direita, esquerda ou em cima do muro.

Sua personagem se identifica como militante de alguma causa social, como o feminismo ou movimento negro? Ou ela prefere não se envolver em discussões? Mesmo que você, autor, não pense muito nessas questões, é interessante ter personagens com pontos de vista variados.

8-Quem foram as pessoas com que você se relacionou?

É difícil encontrar uma pessoa que não se importe nem um pouco com as relações amorosas e sexuais. Mesmo que esse não seja um dos focos da sua personagem, ainda existe a pressão da sociedade. Por isso, tente pensar na maneira com que ela se relaciona com os outros.

Esses relacionamentos foram sérios ou casuais? Até que ponto ela se envolveu e quanto tempo durou? Se sua personagem nunca se envolveu com ninguém, você pode pensar em sentimentos não correspondidos.

Nem todas as pessoas se interessam por outras. Caso você tenha uma personagem assexual, você pode pensar em como foi sua trajetória até perceber que não sentia atração pelas pessoas.

9-O que você achava interessante nelas?

Dizem que o que enxergamos nas outras pessoas diz mais sobre nós mesmos do que sobre o outro em si. Explorar esse padrão de interesse pode revelar muito sobre a personalidade de sua personagem e até mesmo criar situações convenientes para o enredo.

Experimente problematizar as relações de suas personagens com base nesses padrões. Pode ser interessante aplicar teorias da psicanálise, como o polêmico complexo de édipo, por exemplo.

Relações familiares a parte, perceber quais características sua personagem considera interessante em outras pessoas pode fazer com que você entenda melhor porque ela é próxima ou distante de outras personagens. Quem sabe existam sentimentos românticos que nem mesmo você havia percebido ainda?

10- O que você mais detesta em si mesmo?

Ah, a insegurança. Todos temos pelo menos um pouquinho dela. Os heróis gregos se destacavam pela húbris, a confiança e orgulho excessivos, a arrogância que resulta em punição divina. Agora, nosso interesse é outro.

Seja seu herói nutrido pela húbris ou assolado pela baixa auto-estima. Pense nas características que mais os incomodam. Elas podem ser tanto aspectos físicos como da personalidade.

11- Que tipo de comida você costuma comer?

Todos os seres vivos precisam se alimentar de alguma forma para sobreviver. A não ser que sua personagem seja uma criatura mágica, que fuja das regras do nosso mundo, ela deve comer alguma coisa.

Pense nas comidas favoritas e também naquelas que fazem parte do cotidiano. Sua personagem é do tipo que prefere variar no prato ou que come sempre o mesmo para não se arriscar? E quais comidas ela detesta?

12- Que tipo de música você ouve?

Para muitas pessoas, a música define quem você é. Embora ela seja um gosto individual, ela pode dizer muito sobre os grupos sociais dos quais você faz parte. Sua personagem segue o gosto popular? Ou tem um gosto mais alternativo? Ela se importa mais com a melodia ou com o significado das letras? Ou simplesmente não ouve música?

Lembre-se também que a música está por toda parte. Nas festas, nas lojas, nos bares, na televisão e até mesmo nas igrejas. O gosto musical de sua personagem pode indicar a maneira que ela se relaciona com o ambiente, se as músicas que tocam ao redor a agradam ou não.

13- Você gosta de interagir com as pessoas?

A sua personagem é extrovertida ou introvertida? Para ela, lidar com pessoas é uma fonte de prazer ou causa de ansiedade? É possível também que ela tenha um pouco dos dois lados. Algumas pessoas têm dificuldade para se abrir, mas valorizam muito a companhia daqueles que já conquistaram sua simpatia e confiança.

A maneira que sua personagem se sente sobre interagir com os outros pode fazer toda a diferença nos rumos que sua história toma. Por exemplo, às vezes, um conflito poderia ser resolvido de forma simples se houvesse comunicação, mas a timidez de sua personagem a impede de se expressar e causa mal-entendidos.

14- O que mais irrita você?

Irritação gera conflitos. E a sua personagem? O que a irrita? O zumbir de mosquitos quando você tenta dormir, pessoas inconvenientes, não guardar a louça depois de lavar ou quando o papel higiênico acaba?

Pense em comportamentos irritantes que podem causar conflitos entre as personagens presentes na sua história. Nem sempre isso será conteúdo para cenas marcantes, mas pode ser a chave por trás da relação de duas personagens que não conseguem se dar bem.

15- Qual o seu maior segredo?

A maioria das pessoas tem algum segredo, sua personagem também deve ter algum. Pode ser algo que é compartilhado com os amigos mais íntimos ou um segredo tão secreto que nem sequer será mencionado em seu livro.

Em ambos os casos, saber esse segredo pode ser crucial para o desenvolvimento de sua personagem. Lembre-se de que nem todos os detalhes precisam ser mencionados no livro, mas que toda informação pode ser útil na caracterização.

Até mesmo pessoas de carne e osso podem perceber um dia que a maneira que elas reagem a certas coisas está relacionada a algum evento esquecido do passado.

16- O que a deixa feliz?

De certos pontos de vista, a vida é a busca da felicidade. Dependendo da pessoa, essa felicidade pode ser uma constante ou uma aparição rara. Em ambos os casos, é bom perguntar o que deixa sua personagem feliz.

São pequenos momentos ou grandes conquistas? Ela se sente feliz ao conversar com as pessoas que ama ou assistir suas séries favoritas de TV? Ou, quem sabe, a felicidade para ela é ter sucesso no trabalho?

Entenda o que é a felicidade para sua personagem e se ela é algo possível, constante ou que se perdeu para sempre.

17- O que mais chama atenção em você?

Cada pessoa costuma ter uma característica mais marcante, que é notada logo que alguém a conhece. Pode ser um sorriso enorme, uma voz muito grave, um rosto cheio de piercings, um cabelo cor-de-rosa, uma introversão alarmante.

Às vezes, a própria pessoa pode não perceber que tem qualquer característica notável. Você também pode brincar com essa possibilidade, a diferença entre a percepção que cada um tem de si mesmo e a maneira que o mundo os vê.

Aproveite essas perguntas para estabelecer um diálogo com todas as personagens que existem dentro de você. Tente se colocar no lugar delas, fazer suas tarefas diárias pensando em como elas fariam cada coisa.

Ao viver os pequenos detalhes como se fosse outra pessoa, você pode descobrir um mundo de possibilidades. A beleza de ser escritor é essa, afinal. Poder criar mundos e viver histórias que seriam impossíveis sem o advento da palavra.

7 Comentários


  1. oi, queria agradecer pelas dicas. Realmente nossos personagens necessitam de elaboracao, para garantir sua personalidade , caracteristicas e costumes. Era nisso que eu estava errando. Enfim…. muito obrigada pela inspiracao

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  2. Ayaka

    Olá! Só passei aqui pra agradecer por este post. Estava a semanas empacada na minha história e, depois de responder todas as perguntas, a história finalmente fluiu. Precisei reescrever tudo, mas ficou muito melhor que antes e estou muito satisfeita com o resultado.

    Vocês sempre fazem post incríveis, continuem assim 🙂

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    1. Redação

      Muito bom saber disso! Que logo logo a gente veja seu livro ser publicado pela Bibliomundi e vendido em mais de 20 lojas e livrarias digitais!

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  3. Luiz Antonio Magalhães Pires Aragão

    O importante talvez não seja criar o nome do personagem, mas, conhecê-lo. Saber as formas de agir, reagir. Inteirar-se com o mesmo, ser o mesmo. Então você da mais verossimilidade ao personagem, faz com que o leitor, seu principal alvo, acredite na sua história. Muito boas as dicas, continuo aprendendo mais e mais. Obrigado.

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  4. Srs.
    Simplesmente demais! Adorei todas as perguntas aos meus personagens.
    Se eu tivesse esse questionário quando comecei a escrever, acho que mudaria muita coisa nas minhas histórias.
    Agradeço imensamente por compartilhar isso com os escritores iniciantes.
    Neyd Montingelli

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